Três bolinhas de tênis revestidas por fita isolante substituem o que a carteira de trabalho não alcança: um emprego. Malabarista no semáforo da Rua Voluntários da Pátria junto com o marido, Tais da Silva Silveira se equilibra para pagar as contas e alimentar o filho de dois anos e nove meses. Aos 25 anos, a moradora da Ilha Grande dos Marinheiros amarga o desemprego desde 2015:
— Não ia ficar em casa esperando, tenho filho e uma casa para sustentar. Eu estou num momento da vida em que tudo que vier tá bom.
Tais tem um único registro profissional, de seis meses de contrato com carteira assinada. A experiência é tida como insuficiente por quem lhe fecha as portas.
— Trabalhei no balcão da padaria de um supermercado e depois disso não consegui mais nada. Pra eles, seis meses não é nada, querem mais (experiência profissional) — conta.
Com um jeito tímido, a artista de rua reflete antes de cada frase, como se temesse reclamar do sufrágio de acordar antes do amanhecer, contar o dinheiro e pegar o ônibus que a leva do arquipélago até a esquina que passa por baixo da ponte do Guaíba.
— Só Deus sabe o que eu passo — afirma, enquanto olha para o sinal, ainda vermelho, e complementa:
— O preconceito com a gente é muito grande, sabe? Alguns xingam, pensam que eu sou igual aos que pedem dinheiro pra comprar droga. A humilhação é grande. Mas prefiro pensar nos 90% que aplaudem a gente.
No fim de tarde, Tais reúne os R$ 30 conquistados na esquina — média diária dada pelos poucos que levantam os olhos do volante e abrem o vidro do automóvel. Antes de cruzar a ponte e voltar para a região com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Porto Alegre, ela vai ao supermercado entregar os trocados que recebeu.
— O dinheiro não dá pra nada. Tem dias que vai tudo no mercado. É uma luta.
O ofício de circo foi ensinado pelo marido, também desempregado há quatro anos, que intercala os dias na sinaleira com a esposa.
— Não temos com quem deixar o Enanael. Quando um vai, o outro fica. Só levamos ele quando a coisa aperta. Temos uma assistente social, ela veio aqui em casa e viu que não usamos o garoto para ganhar dinheiro — conta Valmir Ribeiro Filho, 33 anos.
A esposa complementa:
— A rua é muito difícil. Se para mim que sou macaca velha já é complicado, imagina pra ele, que é pequeno.
Ao sair da incompleta casa de madeira, há anos em obra e erguida por ele próprio conforme o orçamento suporta, Valmir faz o trajeto a pé até o "palco" de apresentações. De terno e gravata.
— Me visto assim para que as pessoas me vejam bem. Acho mais apresentável. Apresentação é tudo.
Ao invés das bolinhas, usa três fações com cabo emborrachado. A proteção ameniza, mas não evita os cortes, visíveis em todos os dedos das mãos. A arte do malabarismo foi aprendida em um dos tantos bicos que fez para sobreviver.
— Trabalhei montando circo, carregando ferro e puxando lona. Quando não tinha nada pra fazer eu ia de metido, conversava com o pessoal, e aprendi. Usava para distrair meus amigos, mas a coisa apertou.
Apesar da dificuldade enfrentada, ele prefere falar sobre o apoio que recebe. Não sem antes reforçar o sonho da família.
— Para cada um que fala grosseria eu penso na maioria, que bate palma. Fico quieto porque não gosto de confrontar, mesmo eles sendo mal educados. Até porque quem sabe daqui a pouco a gente consegue emprego — finaliza, correndo pra esquina. O sinal fechou mais uma vez.