Porto Alegre se expandia como um leque a partir do Centro Histórico, junto ao Guaíba. Da Duque de Caxias em direção à Independência, a capital gaúcha vinha recebendo novas residências. Todavia, em 1904, a cidade ainda terminava onde a lomba da Mostardeiro começava.
A partir dali, no seu limite urbano, havia o que o escritor Eduardo Bueno chama de "zona de recreio", uma "periferia chique" composta por atrações como o Prado da Independência, onde ocorriam páreos dominicais de corridas de cavalo, clube de atiradores Tiro Alemão e o Mato Mostardeiro, onde famílias faziam piqueniques sob as árvores.
Na baixada em que os porto-alegrenses viam uma área de lazer, o major Augusto Koch, presidente do Grêmio, viu um potencial caldeirão. Conseguiu um empréstimo junto a um banco alemão e adquiriu parte do terreno. Após a terraplenagem, sócios fundadores do Grêmio plantaram plátanos em torno do campo batizados com seus nomes e inauguraram o Fortim da Baixada no coração do Moinhos de Vento, vizinho à área que hoje é o Parcão.
— É legal observar que o Grêmio nasce em um lugar extremamente plural. Dona Laura Mostardeiro era uma baiana que realizava os primeiros saraus da cidade por ali. Na esquina da Mostardeiro com a hoje Florêncio Ygartua morava Pedro Weingärtner, maior pintor gaúcho da História. No time, jogaram os Mostardeiro, que eram bugres. No meio disso, o Grêmio — conta Bueno.
Não demorou também para o Grêmio rentabilizar o espaço. Em 1911, Koch convenceu cem associados a adquirirem títulos do clube e construiu o "pombal", um pavilhão de madeira de lei com capacidade para 500 torcedores assistirem aos jogos com mais conforto. O espaço foi inaugurado em 1912 e ampliado seis anos depois, passando a ser a sede do próprio clube.
Em 1909, quando recebeu o arquirrival pela primeira vez, reza a lenda que o Grêmio não sabia exatamente qual era a força do adversário, clube novo na cidade. Após um início cauteloso, terminou o primeiro tempo vencendo "apenas" por 2 a 0. No segundo tempo, o Grêmio se impôs e o Inter recebeu os outros oito gols do até hoje icônico 10 a 0. A primeira vitória colorada assistida pela Baixada viria seis anos depois, por surpreendentes 4 a 1 após um hiato de mais de dois anos sem Gre-Nal.
Nos exatos 50 anos — de 1904 a 1954 — em que o Grêmio jogou na Baixada, talvez o mais significativo dos títulos tenha sido o Campeonato Farroupilha de 1935, torneio comemorativo ao aniversário da Revolução. Jogando pelo empate na final, o Inter estava tão confiante no título que seus torcedores tomavam 60% do estádio tricolor — um deles havia trazido 11 cachorros pintados de vermelho para soltar no gramado ao final do jogo.
Os planos pararam nos braços do lendário goleiro Lara, que já enfrentava problemas cardíacos e saiu no segundo tempo, e Foguinho, que planejou meticulosamente um gol de voleio estudando as rebatidas de cabeça da zaga colorada. Foguinho também daria o passe para o segundo gol do Grêmio, fechando o placar em 2 a 0. O foguetório do título assustou os 11 cães, que acabaram atacando o próprio dono.
Após a mudança para o Olímpico, os famosos pavilhões da Baixada seguiram no folclore futebolístico porto-alegrense: foram dados ao Força e Luz em troca do zagueiro Airton, que virou, por isso, Airton Pavilhão.
Fontes: Célia Ferraz de Souza (UFRGS), Heinrich Hasenack (UFRGS), Ariel Engster (Museu do Inter), Sandro Pasinato (Museu do Grêmio), Eduardo Bueno, Kenny Braga e livro A História dos Gre-Nais (L&PM, 2009).