Fixada na porta de entrada de uma casa à altura do número 535 da Rua Demétrio Ribeiro, uma placa de porcelana dá pistas sobre quem viveu por lá: "Gavronski – Artista Pintor". Há quase duas décadas, o local é residência e ateliê de outro criador: Félix Bressan, um dos mais destacados escultores do Estado.
As trajetórias dos dois artistas se cruzaram quando, anos atrás, Félix começou a procurar um espaço onde pudesse conciliar moradia e trabalho. Em meio à abundância de casas antigas do Centro Histórico, o imóvel em tom alaranjado chamou a atenção. Além da bela arquitetura exterior, era composto de duas casas, o que permitiria transformar uma delas em atelier e manter a outra como residência. A história do antigo artista, relatada pela filha de Gavronski, veio no pacote.
– Casas caindo, velhas, tinha várias para comprar. Mas eu queria uma coisa diferente. Quando decidimos ficar com a casa, a filha dele, que já tinha quase 90 anos, vivia sozinha aqui e contou a história toda – lembra Félix.
Pouco famoso, Gavronski foi o responsável por, na década de 1920, construir as duas casas que compõem o imóvel, inventariado pelo município anos atrás. No começo da década de 2000, quando a família optou por colocar o local à venda, a mulher morava no imóvel mais à direita, onde funcionava o ateliê do pai. O da esquerda, abandonado, mais lembrava o poema de Vinicius de Moraes: não tinha teto, não tinha nada.
A casa mais avariada foi o foco da restauração à época em que Félix conseguiu o financiamento junto à prefeitura. Com piso, telhado e fachada restaurados, transformou-se em um ateliê espaçoso, onde o artista, natural de Caxias do Sul, passa boa parte do tempo.
A ala residencial também sofreu intervenções: além de reparos estruturais, algumas divisórias foram subtraídas, deixando o local mais amplo. Aos poucos, porém, os dois lados se misturam. Parte da obra de Félix, silhuetas que lembram vestidos antigos – daqueles com espartilho por baixo – em diferentes materiais, sobrevoam a mobília, penduradas sobre os sofás da sala.
O pátio, que também abriga obras do escultor, é quase todo do cachorro Demetrius, que prontamente se oferece aos afagos de visitantes. Depois do pôr do sol, um abacateiro nos fundos do terreno vira dormitório de centenas de pássaros.
Mas nem só do clima bucólico e da beleza arquitetônica é feita a vida na casa de artistas que Félix escolheu preservar – pensa, inclusive, em transformá-la em uma fundação para que permaneça intacta. Surpresas desagradáveis têm intrigado o escultor nos últimos anos. Depois de conseguir convencer a prefeitura a retirar um contêiner instalado em frente à edificação inventariada, ele tenta entender por que, há cerca de dois anos, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) posicionou uma placa de trânsito em frente a sua janela – a ZH, o órgão afirmou que "sempre procura preservar a paisagem e ambiência dos prédios históricos" e, por isso, "vai reposicionar a placa para não obstruir a visibilidade do local". Na nota, consta também que a EPTC "possui a lista dos imóveis tombados pelo Patrimônio Histórico municipal, estadual e federal", mas, como se trata de um imóvel inventariado, "não tinha a informação trazida pela reportagem".
– É um prédio histórico e a própria prefeitura não tem essa visão. Todo mundo acha lindo e se interessa, mas, na prática, ninguém faz nada. Estou fazendo a minha parte. É o melhor que eu posso – diz o artista.
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