O ano de 2016 ainda nem terminou, mas a Grande Porto Alegre e a Capital gaúcha já registram oito esquartejamentos e quatro chacinas, além de uma exposição de corpo após execução. O total de mortes chega a 25.
Dos esquartejamentos, sete ocorreram em Porto Alegre. Das chacinas, três foram em Alvorada.
O aumento em relação a 2015 foi de 257%. Em todo o ano passado, a mesma região contabilizou ao menos sete mortes - foram duas chacinas, uma em Alvorada e outra em Porto Alegre, e outros dois casos de esquartejamento, ambos na Capital.
Já os anos de 2013 e 2014 registraram, cada um, um esquartejamento em Viamão e Porto Alegre, respectivamente.
Sem contar as execuções e as mortes por bala perdida, a disputa acirrada pelo tráfico de drogas tem sido a responsável por mortes mais sangrentas. Os executores não só estão eliminando seus adversários, mas também aproveitam para mandar recados.
Segundo um delegado da Polícia Civil, que pediu para não se identificar, quanto mais violenta a morte e mais arriscada a missão, maior será o respeito e o status que o matador alcançará.
Qualquer um pode ser vítima, mesmo que não tenha envolvimento com as gangues. Basta estar no lugar errado e na hora errada.
Em maio, a polícia divulgou áudios de conversas telefônicas ocorridas durante assassinatos em Viamão. O mandante dos crimes, aparentemente da cadeia, não se preocupa com quem irá morrer. "Quem vocês pegar, faz virar chuveiro", dizia.
O receio das autoridades da segurança pública do Rio Grande do Sul é ver replicado aqui o que ocorreu durante as disputas pelo tráfico de drogas no México e na Colômbia. Em 2014, pistoleiros do narcotráfico detidos pela polícia confessaram o assassinato de 43 estudantes desaparecidos no sul do México. Os corpos das vítimas foram queimados, em um crime que comoveu o país. O episódio ficou conhecido como o Massacre de Iguala.
O colombiano Juan Mario Fandino, doutor em sociologia e professor aposentado da UFRGS, vê a perda do controle social do Estado como a responsável por este acirramento da violência.
"Não existe uma varinha mágica, é necessário um conjunto de medidas para reconstruir o controle social. Na Colômbia foi assim. Ocorriam 300 homicídios por ano para cada grupo de 100 mil habitantes. Caiu para 17", afirma.
Segundo o juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, Sidinei Brzuska, o sistema tradicional das mortes se desfaz quando a execução não é mais suficiente. A brutalidade entra em cena.
Começa de um lado, mas repercute de outro. Soma-se a isso uma disputa pelo tráfico de drogas em que o traficante é preso, mas o ponto de venda de entorpecentes permanece aberto, o que instiga a disputa pelo poder.
E até quem combatia o tráfico décadas atrás se surpreende com a agressividade de hoje. É o caso do primeiro delegado de tóxicos do Estado, o juiz aposentado Luiz Matias Flach. Ele lembra que, desde o surgimento do tráfico de drogas em Porto Alegre, não se via um clima como este.
"Não era comum essas chacinas de hoje. Quando havia mortos por execução, já se sabia que era para esconder a autoria e não para mandar mensagem de crueldade", lembra.
Até mesmo os presos mais velhos, que comandam o tráfico da cadeia, estão se sentindo incomodados. Veem essa brutalidade como inimiga da comercialização da droga, pois chama mais a atenção da polícia. No mês passado, um grupo de presos chegou a divulgar um manifesto pedindo um arrefecimento dos ânimos.
"Não tem solução única. Pessoas inocentes morreram. Inclusive, próximo dos que têm o controle do tráfico. Esse ódio está muito peculiar, não se desmancha rapidamente.", avalia Brzuska.
O sociólogo Juan Mario Fandino também acredita que não há uma solução milagrosa. Para ele, é preciso descruzar os braços e agir, até mesmo quem, diretamente, não tem obrigação em investir em segurança.
"Cada um tem que participar, mas tem que ter uma coordenação. Na Colômbia, o controle foi feito pelas prefeituras”, diz.