Chego a São Paulo na semana das eleições para a prefeitura. Voto lá, o que me deixa, de certa forma, aliviado. Estou empolgado em viver essa cidade reformulada após quatro anos de PT no poder. Enquanto em Porto Alegre se reclama tanto a falta de um bom nome de esquerda, São Paulo, com Erundina e Haddad, é quase um banquete.
Parto da praça Roosevelt para ir ao cinema. Vou a pé, sempre que posso. São Paulo é muito monóxido. "Subir a Augusta do centro em direção à Paulista, é estar disposta a aspirar metais pesados", me diz ela, antes de me abraçar e assumir já estar meio que cogitando o uso de máscaras para respirar. "O fato é que São Paulo dói a ponto de ficar para sempre, é isso o que assusta. Não é bom viver onde se teme respirar." Tento entender a cidade e as suas narrativas de sucesso, mas não consigo. Compro os ingressos para Aquarius, engolimos dois cafés apressados e subimos as escadas.
À noite, os buracos e essas assombrações que assustam pelo tão humano que são, surgindo meio que do meio do nada, são essa cidade na qual já não me reconheço mais. Acelero, desconhecendo os novos limites de velocidade. A sensação de despertencer fazendo todo o sentido. Estar em São Paulo é meio como que estar constantemente dentro do filme Permanência, do Leonardo Lacca.
No domingo, pego o metrô, voto tranquilo e tento não pensar no fator Chalita, caso Haddad ganhe e depois se afaste para disputar a Presidência. Passo a tarde na tímida Bienal de São Paulo, depois volto caminhando até a Roosevelt. A cidade quase não dói. Do alto do apartamento, tento olhar para a paisagem com os olhos do ano em que lá cheguei. Lá, onde antes havia um Pão de Açúcar, agora uma praça pública. Aqui, onde antes havia um terreno possível de praça, um Zaffari. Diferenças.
Como eleitor eventual do PT, e por isso tantas vezes xingado de petista, gostei da derrota histórica. As urnas revelaram um tipo de eleitor preocupado com a ética do partido em que vota. Enquanto eleitores dos partidos mais premiados nas delações seguem endossando nas urnas a corrupção, os acusados de petistas promoveram essa tal revolução histórica. Não endossando a corrupção, boicotaram na democracia das urnas aquela que se tornou a mais arrogante e mais perseguida das siglas.
Perder é uma arte, já dizia Elizabeth Bishop. Ganha-se mais quando se perde. Será? Da janela, por entre as frestas dos prédios, observo as árvores do Parque Augusta, esse que não foi incorporado à cidade nos quatro anos de Haddad. Perdemos. Depois, leio que o vereador mais votado de São Paulo é Eduardo Suplicy. Em Porto Alegre, Fernanda Melchiona, do PSOL, é a recordista de votos. A esquerda não está morta.
Uma semana após o primeiro turno, vieram os anúncios do governo do PMDB nos grandes jornais prometendo tirar o Brasil do vermelho, lidos por alguns como o pagamento ao jornal pelo apoio ao processo de impeachment. Os cortes, as PEC's, a entrega de um Estado quebrado ao capital privado patrocinado pelo mesmo Estado quebrado. O meu filho que vai poder fazer faculdade não porque vive em um país próspero, mas porque eu tenho dinheiro. Os pobres trabalhadores sofrendo antes de todos...
Narrativas, derrotas e a espera de alguma potência. Por enquanto, são tempos nebulosos para quem prefere pensar por conta própria.
* Ismael Caneppele escreve mensalmente para o Caderno DOC.