Corro o risco de estar educando meus filhotes errado em matéria musical, mas que fazer: eu ouço com eles, sempre que dá, coisas que foram e são importantes para mim, pai velho para eles, já nascidos no novo século (por sua vez, velho já de 16 anos!).
Assim é que vamos de Beatles umas quantas vezes, sem nunca perder o encanto.
E calhou de ouvirmos esses dias um par de discos do trio Sá, Rodrix e Guarabyra, que tanto me impressionaram nos primeiros anos 1970. Continua fazendo sentido aquilo lá, mesmo as coisas vencidas pelos fatos, como Blue Riviera, em que os três lamentam pelos amigos que já estão com 30 anos ou mais e já não "deixam cair", ou, como talvez dissesse um jovem de hoje, não estão mais ligados. O primeiro disco deles saiu em 1973, aos meus 15 anos.
Muitas vezes ouço com as crianças os Novos Baianos, nos seus dois primeiros discos, Acabou chorare, de 1972, e Novos baianos F.C., 1973. Não para de ser bom aquilo! Suingue, brincadeira, conversa com a tradição, bom humor, mais uns instrumentistas que vou te contar. Depois se separaram, fizeram coisas notáveis, mas graças à tecnologia estão aqui, ao alcance de um toque, inclusive para novos ouvintes que nada têm a ver com aquele contexto original.
Ainda quero muito apresentar a eles o Secos & Molhados, cujo primeiro disco saiu em 1973. O senhor ali, grisalho, e a senhora, de cabelos pintados para evitar o branco, não lembraram imediatamente? Claro que sim. "O gato preto cruzou a estrada, passou por debaixo da escada, e lá no fundo azul da noite da floresta a lua iluminou a dança, a roda e a festa" – eu escrevo aqui sem precisar ir ao google, apenas com a memória repassando a alegria daquilo tudo.
Já tentei, sem muito sucesso, ouvir direito o Clube da Esquina com os dois pequenos aqui de casa, aos seus atuais seis e quase 10 anos. Sim, o primeiro, claro, editado em 1972, com aqueles dois guris fotografados em beira de estrada, quase ao acaso. Meu bom leitor, o que é aquele disco, aliás, aqueles discos? "Com sol e chuva você sonhava", "você queria ser o grande herói das estradas". O virtuosismo da voz do Milton, mais aqueles gênios todos florescendo, Lô Borges, Toninho Horta, Beto Guedes...
Já ouvi e até já cantei alguma coisa dos Almôndegas, aquela banda inacreditável que brotou em Porto Alegre, com os futuros solistas Kleiton e Kledir entre eles. (Na segunda formação entrou o Zé Flávio, talento raro.) Lembra? Foi em 1975 que saiu o primeiro disco. "Bem no centro da mesa de refeições a sinaleira diz que pode o caminhão atravessar", bá, era bom isso – e já era um jeito de falar do nosso susto com o trânsito, não era?
E nisso eu, olhando meus filhos ouvindo isso tudo, me dou conta de algo que deve ter sido maior do que o acaso: listei aqui cinco casos, de valor desigual mas com força e permanência, todos eles inequivocamente importantes como grupos. Depois se separaram os caras, ficaram duplas ou trios, ou se converteram em carreiras individuais, mas todos nasceram desse jeito coletivo.
Na geração imediatamente anterior, a dos festivais dos anos 60, não foi desse jeito: eram basicamente indivíduos, claramente autorais (os grupos eram de interpretação), com a possível exceção dos Mutantes. Roberto, Chico, Caetano, Paulinho, Gil, Raul Seixas, Edu Lobo, Jorge Ben, Tim Maia, tudo indivíduo. Esse grupo a que me refiro não: era um pessoal lá, tudo junto fazendo som.
Na década de 1980 entrou uma nova onda de grupos, mas aí se tratava mais caracteristicamente de bandas, que seriam mais ou menos longevas, com líderes destacados dos demais. Era outra onda, já bem distante do pessoal setentista com seus grupos de parceiros, seu aspecto ligeiramente hippie, inventando novidades mas também conversando com o passado. Muito bom.
Ou isso, ou é porque eu sou mesmo fiel à minha adolescência...
*Luís Augusto Fischer escreve mensalmente no Caderno DOC.