Andou circulando com bastante ênfase, no Facebook – este pátio de colégio em que todo mundo fala e poucos escutam, mas as opiniões acabam ganhando corpo e até verossimilhança, durante aqueles sempre esperados 15 minutos –, uma interpretação que ridiculariza a prisão dos simpatizantes do Estado Islâmico, esses dias.
Na face mais singela, esse menosprezo lembrava que foi preso o rapaz interiorano que cria galinhas, e não faltou o trocadilho com o conhecido ladrão de galinhas, aquele que é o único a ser preso no Brasil. Na face mais sofisticada, houve quem mostrasse que por trás das prisões estava apenas uma briga entre o atual ministro da Justiça, ex-advogado do PCC, e outras figuras do governo golpista de Temer e seus associados, assim como houve quem invocasse o direito à privacidade dos tais simpatizantes, de tal maneira que, se eles não estivessem em ato terrorista propriamente, não se deveria prendê-los. (Houve de fato, após a prisão, um excesso injustificável da Justiça brasileira ao proibir a visita de advogados aos presos).
Longe de ser especialista no tema, tenho no entanto um depoimento, que além de parcial e amador nada tem de inédito, mas enfim é o que me ocorre: nos atentados ocorridos na França, agora há pouco ou há um ano e pouco, os terroristas eram, não raras vezes, gente bem assim, um simpatizante remoto, um admirador do totalitarismo que é o projeto geral do EI, um pequeno delinquente que na cadeia conheceu a hipótese de tornar-se herói ao imolar-se em público matando gente inocente. Quando não era isso, os terroristas em ação dependiam diretamente de gente como estes que aqui foram presos.
Quando houve os ataques ao Charlie, a um supermercado kosher e a uma policial que atuava na rua, tudo com poucas horas de diferença, viu-se que a história dos terroristas variava de gente com treinamento militar explícito, com armas modernas e infra de grande qualidade, de um lado, como aqueles que foram à redação do jornal, até gente agindo quase por conta própria, gente que até uma semana antes ainda estava brincando com os sobrinhos e a irmã, por sinal dançarina de boate. Ou o dito lobo solitário de Nice.
Não é problema menor o cara ser simpatizante do Estado Islâmico, como não é pouco ser simpatizante do Nazismo. Aqui está em causa o que alguns chamariam de civilização ocidental, termo que esconde contradições medonhas, várias experiências totalitárias e passagens longas de extermínio genocida. Chamemos por outros e mais nítidos nomes, que para mim devem ser sempre afirmados: a liberdade, a tolerância, o respeito à diferença, a busca contínua pela igualdade de condições mediante escola e saúde de qualidade para todos.
Esse conjunto, para mim, é a questão; e quem defende o Estado Islâmico a ponto de professar isso não pode alegar inocência quanto aos métodos e ações terroristas em curso.
Dito isso, resta uma necessária lembrança: o Estado Islâmico não é o islamismo, nem é o árabe como etnia, como conjunto de culturas. O islamismo é uma religião monoteísta, logo sujeita aos excessos comuns aos outros monoteísmos, entre os quais o cristianismo e o judaísmo, que também não podem alegar uma história isenta de passagens autoritárias, totalitárias e mesmo terroristas, se considerarmos a régua longa da história, todas igualmente intoleráveis. E o mundo árabe, que conheço pouco, apenas o suficiente para admirar sua impressionante história de beleza e inteligência, está longe, muito longe de se representar a essa aterrorizante caricatura autoritária.
*Luís Augusto Fischer escreve mensalmente no Caderno DOC.