O que pode ser dito de novo a respeito da II Guerra Mundial? É difícil saber quando essa pergunta foi feita pela primeira vez, mas é possível que tenha sido no exato momento em que a Alemanha se rendeu aos Aliados, em 8 de maio de 1945, ou quando o Império Japonês assinou a capitulação, em 2 de setembro do mesmo ano. Naquele momento, europeus e asiáticos estavam cansados das misérias trazidas pelo conflito.
Para mais de uma geração, a guerra foi a segunda conflagração vivida no curto espaço de uma vida humana. A muitos, coube lutar em ambas, mas, de qualquer forma, seria difícil encontrar alguém que não tivesse parente próximo ou amigo que não tenha sido pessoalmente tocado pelas hostilidades, seja na condição de combatente, seja na de civil.
Os traumas das trincheiras de 1914 - 1918 produziram naqueles que os suportaram uma sensação de incredulidade diante da perspectiva de uma ruptura violenta da ordem pactuada em Versalhes. Era impensável que a Europa estivesse a ponto de mergulhar mais uma vez no abismo. Mais inconcebíveis ainda seriam os floreios de propaganda de julho e agosto de 1914, quando franceses e alemães marchavam cantando até as estações ferroviárias que os levariam ao front. Mesmo na Alemanha, observadores registraram, com acuidade, o silêncio dos que partiam. Era, em certa medida, um prolongamento do silêncio avassalador dos que haviam regressado do front ocidental, notado já nos anos 1920 pelo crítico alemão Walter Benjamin, um dos que não sobreviveriam à II Guerra.
Silenciosos foram os que retornaram para um mundo virado do avesso após 1945. Em março do ano passado, perguntei ao coronel da reserva do exército da Ucrânia Vladimir Oprishko o que seu pai, que combatera na II Guerra, lhe contara a respeito da experiência. Responsável por uma das entidades de veteranos em Kiev e um dos organizadores das comemorações dos 70 anos da expulsão dos nazistas da Ucrânia, Oprishko respondeu secamente:
- Meu pai não gostava de falar das suas vivências de guerra.
O silêncio foi mais pesado sobre determinados tipos de memória. O químico e depois escritor italiano Primo Levi, ex-prisioneiro de Auschwitz, terminou seu livro com memórias da experiência, É Isto um Homem?, em dezembro de 1946, mas a obra só encontrou editor em outubro de 1947. Outro sobrevivente, o francês David Rousset, com passagens por Neuengamme e Buchenwald, apelou em 1949 a ex-prisioneiros dos Lager nazistas para que organizassem uma comissão encarregada de inspecionar campos de concentração soviéticos. Tornou-se alvo de uma violenta campanha encabeçada pelo semanário comunista Les Lettres Françaises, dirigido pelo poeta Louis Aragon, na qual era acusado de calúnia contra a União Soviética. Rousset apresentou provas e venceu uma ação contra o jornal na justiça.
É evidente que, para muitos, o silenciamento iniciou-se antes de 1939. O escritor austríaco Stefan Zweig foi um dos que não se deixou enganar a respeito do que o esperava. "Logo depois do incêndio do Reichstag disse a meu editor que dentro de pouco tempo não haveria mais livros meus na Alemanha. Nunca esquecerei o seu espanto. Quem iria proibir os seus livros?, disse ele então, em 1933, ainda inteiramente assombrado. O senhor nunca escreveu uma palavra sequer contra a Alemanha e não se imiscuiu na política", escreveu o autor de em suas memórias: O Mundo Insone. Não apenas a censura, mas a queima de livros, o banimento de intelectuais e a proscrição de campos inteiros de investigação científica e filosófica foram um traço indelével da marcha para a guerra. Em raras ocasiões, era possível temperar a "meia-noite no século" com uma ponta de gracejo. Antes de embarcar para o exílio, em 4 de junho de 1938, deixando para trás sua amada Viena, Sigmund Freud foi obrigado a redigir uma declaração de que havia sido tratado respeitosamente pela Gestapo - e não esqueceu de acrescentar ao final: "Posso vivamente recomendar a Gestapo a qualquer um". Na Paris ocupada, o embaixador alemão, Otto Abetz, visitava uma exposição de Pablo Picasso quando deparou com o horror de Guernica, o mural no qual o pintor espanhol retratou o bombardeio do vilarejo basco pela Legião Condor alemã durante a Guerra Civil Espanhola.
- Foi o senhor que fez isso? - perguntou Abetz.
- Não, foram os senhores - respondeu Picasso.
Como ruínas de uma cidade submersa que despontam durante a estiagem, pedaços de memória da II Guerra continuam emergindo. Muitos aspectos do domínio nazista sobre a Europa, que incluiu uma complexa rede de autoridades militares e civis, forças colaboracionistas locais, regimes e Estados-clientes e mesmo segmentos das próprias populações dos territórios ocupados com algo a lucrar sob a "Nova Ordem", ainda precisam ser esclarecidos. Contrariamente às versões mais simplistas, é possível hoje determinar em que medida a expansão territorial almejada por Adolf Hitler e a própria dinâmica da guerra teve impacto sobre as realidades nacionais. "Não houve (...) um sistema único de terror originado e plenamente constituído na cabeça de Hitler", afirma o historiador britânico Mark Mazower em seu essencial O Império de Hitler. Em países como França, República Checa, Dinamarca, Holanda e Noruega, o papel do colaboracionismo deve ser confrontado com mitos mais persistentes de resistência à ocupação.
O acesso a arquivos de países que permaneceram do outro lado da chamada Cortina de Ferro no pós-guerra permite ir além das narrativas nacionalistas da "resistência patriótica" e focalizar a cumplicidade assiva e ativa de ucranianos, bielorrussos, letões, lituanos, estonianos e russos com a SS. Um exemplo é a pesquisa do historiador Alexander Prusin sobre o extermínio de mais de 170 mil judeus no Comissariado Geral de Jitomir, no oeste da Ucrânia. Os cerca de 90 funcionários da SS encarregados da matança, revela Prusin, foram apoiados por cerca de 70 intérpretes locais e motoristas e um número variado de informantes de todos os segmentos da sociedade. Essas e outras revelações indicam que há, sim, muito de novo a descobrir sobre a II Guerra.