Os funcionários públicos de Porto Alegre que entrarão em greve na quarta-feira têm focado parte de sua indignação contra a reestruturação da Secretaria Municipal da Fazenda (SMF), que prevê uma gratificação de R$ 11,6 mil a auditores de tributos, categoria que já está entre as mais bem pagas do município. O Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) reclama do tratamento diferenciado à SMF, já que a proposta da prefeitura aos demais servidores foi de reposição da inflação (8,17%) de forma parcelada até maio de 2016. Os grevistas reivindicam reajuste salarial de 9,44%, referente a perdas salariais, mais pagamento da inflação integral e ganho real, totalizando 20%.
- É uma opção política. Dizem que os auditores são o pessoal que arrecada e que eles precisam estar motivados. Nós entendemos que todo servidor público, quando presta um bom serviço, colabora com a arrecadação. Se o contribuinte for no posto de saúde, se tiver um problema de vazamento na sua rua, e for bem atendido, isso o motiva a pagar os impostos. E a gente também não acha que alguém tenha que ganhar mais para prestar um serviço. Sou professora e não acho que eu tenho que ganhar mais para dar uma boa aula. Isso é um desvio, mas é a opção do prefeito José Fortunati - afirmou a diretora de Comunicação do Simpa, Carmen Padilha.
Os 130 auditores municipais tiveram sua remuneração reformulada pelo Projeto de Lei Complementar do Executivo 010/14, que foi aprovado na Câmara Municipal. O básico passou de R$ 1.909,80 (igual aos dos demais servidores de mesmo nível) para R$ 4.207,38 com a mudança da denominação do antigo cargo de agente fiscal da Receita Municipal para auditor fiscal da Receita Municipal. Além disso, eles têm direito à gratificação que supera R$ 11 mil. Somados a outras vantagens, alguns rendimentos girariam em torno de R$ 20 mil, conforme o Simpa.
O secretário-adjunto da Fazenda, Eroni Izaias Numer, disse que o percentual da gratificação chamou atenção em relação aos salários dos auditores mais jovens, que ganham menos e por isso chegam a 75% da remuneração:
- Os auditores têm boa remuneração e continuarão tendo. Mas isso não causará perdas aos demais servidores. O que houve foi uma substituição de três gratificações que existiam antes por uma só, vinculada à receita tributária. Se a arrecadação crescer, a gratificação vai crescer. Se diminuir, vai diminuir. A cada R$ 10 milhões a mais arrecadados, aumenta em R$ 79,38 a gratificação.
Numer salientou que a gratificação diz respeito ao alcance de pelo menos 90% das metas e que, por lei, não pode ser estendida aos demais funcionários porque é ligada à arrecadação, função que é específica dos auditores. Porém, ele admite que há uma diferenciação em relação aos demais funcionários públicos da prefeitura - no total, são 24 mil servidores. Um profissional de mesmo nível que sai de outra secretaria começa a ganhar um salário maior pelo simples fato de passar a trabalhar na Fazenda. É uma distorção que a prefeitura pensa em resolver, talvez realizando concursos específicos para a Fazenda, ponderou Numer.
- Isso incentiva que as pessoas venham para a Fazenda e não saiam, os mais qualificados acabam ficando. Por lidarem com o dinheiro do município, a tentação é menor (de se envolver em corrupção) se o salário é maior. Na Fazenda, os funcionários contribuem com a arrecadação. É como o setor financeiro nas empresas privadas. Quem busca dinheiro tende a ser mais valorizado - comparou.
Depois da reunião de quinta-feira, antes da assembleia que decidiu pela greve, não houve mais contatos da prefeitura para negociar com os municipários, de acordo com o Simpa. No entanto, na tarde desta segunda-feira, a prefeitura anunciou uma nova reunião com os municipários para a terça-feira, às 10h, no Paço Municipal.
Às 18h, a Associação dos Agentes Fiscais da Receita Municipal de Porto Alegre (Aiamu) divulgou uma nota sobre o assunto:
A ASSOCIAÇÃO DOS AGENTES FISCAIS DA RECEITA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE - AIAMU, com relação às questões suscitadas diante do dissídio dos servidores municipais para a data-base de maio de 2015, informa, que seus integrantes estão submetidos aos mesmos princípios da Política Salarial aplicável ao conjunto da categoria dos Municipários.
As questões relacionadas ao alardeado "efeito cascata", que a justiça entendeu como ilegal, também, atingem a categoria dos Auditores-Fiscais da Receita Municipal, eis que submetidos aos mesmos regimes de trabalho dos demais servidores do município. A mesma solução a ser dada pelo Executivo será aplicada a todos os servidores, inclusive, aos Auditores-Fiscais.
Registre-se, ainda, que com o advento da Emenda Constitucional nº 42/2003, incluindo o inciso XXII no artigo 37 da Constituição, combinado com o inciso XVIII deste mesmo dispositivo, passou-se a exigir uma nova postura do Poder Público, especialmente no que diz respeito a essencialidade da administração tributária.
Neste contexto, conforme matéria publicada em Zero Hora, em 06/07/2013, o Tribunal de Contas do Estado - TCE tem sido rígido para que as Prefeituras adotem mecanismos voltados ao aperfeiçoamento da gestão tributária, inclusive com a publicação da Resolução nº 987/2013, que trouxe um conjunto de regras que, baseadas nas exigências constitucionais, orientam os municípios a como estruturar os serviços da Administração Tributária e, desse modo, incrementar a arrecadação própria, combater a evasão e a sonegação e promover a justiça tributária.
Assim, a possibilidade que se cria, com o reconhecimento constitucional da essencialidade do fisco tributário para o Estado Democrático de Direito, em sua feição Social, é a de construção da segurança para o pleno alcance dos objetivos do Estado de Justiça Social. Segurança para criação de um novo modelo gerencial para a arrecadação municipal. Um modelo que não privilegie a arrecadação vulgar, que tributa aquele mais fácil de alcançar, mas, sim, priorize a implantação de uma política de arrecadação eficiente e de combate permanente à sonegação.
Vinicius Simon
Presidente em exercício da AIAMU