Pouco conhecida da população gaúcha, uma sigla de seis letras começou a ganhar espaço no noticiário a partir da crise na retomada do fornecimento de energia elétrica após o temporal que atingiu o Estado na metade de janeiro. Encarregada de fiscalizar o serviço prestado pelas distribuidoras, a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) tornou-se alvo de cobrança e recebeu a promessa de fortalecimento em sua estrutura, providência aguardada há anos pelo corpo técnico.
Responsável por garantir o cumprimento de contratos e inspecionar a qualidade dos serviços públicos que não são prestados diretamente pelos governos, rol que vai da energia elétrica às rodovias, passando por saneamento e gás canalizado, a agência reguladora estadual fundada em 1997 nunca teve tantas atribuições.
Diante da onda de concessões, privatizações e parcerias público-privadas deflagradas nos últimos anos pelo governo estadual, a Agergs viu crescer exponencialmente seu campo de atuação, sem que a estrutura interna fosse ampliada na mesma proporção. Já considerado baixo, o quadro de pessoal tem mais de 20% dos postos vagos, em razão de salários pouco atrativos e da frequente saída de servidores.
Com a homologação do edital de concessão dos aeroportos de Passo Fundo e Santo Ângelo, nesta semana, chegarão a 11 os serviços supervisionados pela instituição. Nos últimos anos, também recebeu a incumbência de regular o setor de gás canalizado, após a privatização da Sulgás e viu crescer o número de rodovias sob seu escopo, com a concessão da RS-287 e do bloco da Serra Gaúcha, que tem seis trechos de estradas.
Ao mesmo tempo, convive com a dificuldade de manter funcionários em seus quadros. Os servidores ficaram 16 anos, entre 2006 e 2022, sem qualquer correção no vencimento básico. O congelamento foi atenuado apenas em 2014, com um aumento na gratificação, que foi de 45% para 60% do salário. A remuneração inicial dos servidores, já computada essa gratificação, é de cerca de R$8,6 mil, para cargos de nível superior, e de R$ 3 mil, para os de nível médio. Hoje, das 96 vagas disponíveis, 21 estão desocupadas. Internamente, se diz que a Agergs é um "trampolim" para outros órgãos públicos que oferecem salários melhores.
Sustentada por uma taxa cobrada nos contratos de concessão, a agência tem orçamento próprio e atuação independente. No ano de 2022, arrecadou R$ 34,5 milhões e gastou apenas metade disso — o restante vai para o caixa do governo. Seu quadro é formado por diferentes especialistas, como engenheiros, economistas, contadores, administradores e advogados, praticamente todos concursados. Há apenas duas servidoras comissionadas, que atuam como secretárias.
A avaliação de que a agência reguladora carece de efetivo e de valorização é unânime, compartilhada pela direção e pelos funcionários do órgão, ex-integrantes, prefeitos e até mesmo pelo Palácio Piratini. Desde o ano passado o governador Eduardo Leite falava em ampliar o quadro da instituição, promessa que foi reforçada e detalhada após a tempestade de janeiro. Os projetos de lei com essa providência, entretanto, ainda não foram protocolados na Assembleia Legislativa e estão em fase de ajustes no Piratini.
Para o advogado Cláudio Pires Ferreira, presidente do movimento Edy Mussoi de Defesa do Consumidor, os últimos governos estaduais promoveram um "sucateamento" na estrutura, que deve ser revertido.
—O sucateamento e a falta de reposição de quadros contribuem para uma fiscalização deficiente, e o caso recente da demora do restabelecimento de energia retrata muito bem essa questão. A Agergs tem feito o possível com o quadro que tem — avalia Ferreira.
Atuante na cobrança pelo retorno da energia após o temporal de janeiro, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, faz coro:
—Não tem outro caminho, tem que ter contratações imediatas, muito mais quadros, em todas as áreas. Hoje ela não tem pernas para fazer o que precisa fazer. Ela pode ter a melhor das boas intenções, e tem, mas precisa de um reforço imediato em seus quadros técnicos e ter total independência.
Atuação questionada
Embora a concessão para a distribuição de energia elétrica seja federal, a Agergs é responsável por fiscalizar os trabalhos das empresas do setor no Rio Grande do Sul, em razão de convênio firmado com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Nos dias subsequentes a tempestade de janeiro, que arrancou árvores, derrubou postes e deixou 1,3 milhão de gaúchos sem energia elétrica, a agência recebeu uma série de pedidos para ampliar a pressão sobre as concessionárias.
As reclamações partiram de prefeitos, deputados, do governador e do Ministério Público. Na última quarta-feira (7), o chefe do MP gaúcho, Alexandre Saltz, entregou ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, ofício solicitando que o Ministério Público Federal avalie a atuação das agências reguladoras que fiscalizam as empresas de energia.
— A cobrança é normal, afora um ou outro comentário que revela o desconhecimento de nossas funções. Estamos encarando esse episódio como uma oportunidade de mostrar o que a Agergs faz — diz a presidente, Luciana Luso de Carvalho.
Após a tempestade, foi aberto um processo de fiscalização extraordinário, que ainda está em andamento e deverá ser concluído em março, quando estarão disponíveis todos os indicadores de desempenho das distribuidoras referentes ao mês de janeiro. Depois disso, o corpo técnico decidirá sobre a aplicação de penalidades às empresas.
— Concluímos a fiscalização com um relatório, sobre o qual a distribuidora tem oportunidade de se manifestar. A partir disso decidimos sobre a autuação. Se for pela autuação, o processo segue e pode haver recurso ao conselho superior e, depois, à Aneel - explica o gerente de Energia Elétrica da Agergs, Alexandre Jung.
Ex-presidente da Agergs, o consultor e professor aposentado da UFRGS Luiz Afonso Senna pondera que, nesse tipo de episódio, é natural que leve algum tempo para eventuais punições:
— Isso demora, e tem que demorar mesmo. É preciso fazer uma análise técnica, econômica e jurídica, sendo que o resultado final é o somatório dessas análises. Existem ritos e eles precisam ser cumpridos.
O que pode melhorar
Para além das queixas pontuais relacionadas ao temporal de janeiro, a Agers enfrenta dificuldades para exercer suas funções em razão da defasagem da estrutura. Hoje, as avaliações de revisões contratuais e de ajustes de tarifas são feitas com atraso e a capacidade de realizar fiscalizações em rodovias é considerada insuficiente, diante da ampliação recente na malha concedida.
Além disso, a agência precisa editar normas para o setor de gás canalizado, que está sob sua responsabilidade desde 2021, e adaptar sua estrutura para a fiscalização das regras do novo marco legal do saneamento básico, que exige amplos investimentos e obras de vulto nos municípios até 2033.
Para fazer frente a esses gargalos e garantir a manutenção de servidores em seus quadros, a Agergs pleiteia uma série de mudanças em sua estrutura. As alterações estão compiladas em duas minutas de projeto de lei que ainda sofrem ajustes nos bastidores do governo antes do envio à Assembleia Legislativa
O que esses textos estipulam:
- Moderniza estrutura da agência, prevê a criação de diretorias, eleva a gerência de Energia Elétrica para o status de diretoria e fortalece a ouvidoria, que passará a ter status independente. Foi elaborado em conjunto com a Secretaria de Parcerias e está praticamente pronto.
- Prevê ampliação no quadro dos atuais 95 para cerca de 130 servidores, além da valorização das carreiras. Ainda precisa de aval da Secretaria do Planejamento para avançar
Tire suas dúvidas
O que é a Agergs?
- Criada em janeiro de 1997, no governo Antônio Britto, agência reguladora tem autonomia financeira e administrativa
- Fiscaliza serviços que não são prestados diretamente pelo poder público, como saneamento, energia elétrica, concessões rodoviárias, hidrovias e transporte intermunicipal
- Seu órgão máximo é um conselho superior, que pode ter até sete membros, indicados pelo governo estadual (três), um dos funcionários, uma das concessionárias, um dos consumidores e uma dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes).
- Os membros do conselho superior têm mandatos de quatro anos e atuação independente. Atualmente, quatro cadeiras estão ocupadas e as outras três estão vagas.
- A Agergs pode ser procurada pelos cidadãos por meio da ouvidoria, em seu site ou nos telefones 167 (serviços de energia) e 0800 979 0066 (demais áreas)
O que é a regulação, atividade prestada pela Agergs?
Função administrativa que compreende a definição de normas para um determinado setor, decisão sobre conflitos entre concessionária, governo e usuários, avaliação de reajustes de tarifa a revisões do contrato, fiscalização das obrigações contratuais e de indicadores de qualidade e atendimento de ouvidoria.
Quais setores e empresas regulados pela Agergs?
- Energia elétrica (CEEE Equatorial, RGE e empresas do interior)
- Saneamento básico (Corsan e BRK Ambiental)
- Gás canalizado (Sulgás)
- Irrigação (sistema do Vale do Vacacaí e Arroio das Canas, em São Gabriel e Santa Margarida do Sul)
- Rodovias (RS-287 e polo da Serra Gaúcha)
- Transporte intermunicipal
- Transporte metropolitano
- Estações rodoviárias
- Transporte hidroviário de veículos
- Transporte hidroviário de passageiros
- Aeroportos regionais (em breve)
Quem são os conselheiros?
- Luciana Luso de Carvalho (presidente) - indicação dos funcionários
- Algir Lorenzon - indicação do governo estadual
- Alexandre Alves Porsse - indicação do governo estadual
- Paulo Roberto Petersen - indicação das concessionárias
Quais cadeiras do conselho estão vagas?
- Indicação do governo - engenheiro Marcelo Spilki já foi aprovado pela Assembleia e está em vias de ser nomeado
- Indicação dos consumidores - governo estadual criou comissão especial para avaliar inscrições
- Indicação dos Coredes - sem previsão de preenchimento