Dezenas de crianças e mães se acomodavam nas arquibancadas na Praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre, onde o teatro Carlos Urbim seria palco para releitura de uma das obras mais importantes do folclore gaúcho, quando uma briga levou medo a quem tinha ido aproveitar a Feira do Livro na tarde ensolarada de quarta-feira (2). A releitura da lenda Negrinho do Pastoreio foi adiada em alguns minutos, por volta das 16h30min, porque quatro homens protagonizaram um espetáculo violento, com troca de agressões físicas e verbais ao lado da plateia.
— Estávamos no camarim quando ouvimos os gritos vindos da frente do palco. Antes de sair para ver, tive medo de ser alguém com arma. Passei o resto da tarde apreensivo, querendo sair dali — desabafa um ator, que pede para não ser identificado com medo de retaliações.
A confusão foi iniciada, segundo relatos de testemunhas, por um diálogo entre dois homens com camisetas da Seleção e frequentadores da feira. Uma das tantas discussões envolvendo manifestantes bolsonaristas que protestam contra o resultado das urnas, esta evoluiu de um questionamento a uma ofensa e culminou em confronto físico.
— Pessoas que vinham da manifestação circulavam pela feira e acabavam discutindo com outras, seja por ouvirem um “fora Bolsonaro” ou por gritarem “Lula ladrão” — conta uma funcionária da Feira do Livro, que também pede anonimato. — Ao lado da plateia, uma senhora sugeriu que eles (homens com camisa da Seleção) aceitassem o resultado das urnas e fossem para casa. Ela recebeu como resposta uma ofensa gordofóbica, o que gerou indignação e a reação de dois outros homens que estavam por perto. Os quatro homens começaram a discutir e chegaram a se agredir — continua.
Em um vídeo que circula nas redes sociais, os atores estão prestes a entrar em cena quando enxergam, de trás do palco, a confusão tomando conta da plateia. No intuito de proteger os filhos, mães gritam contra os brigões, pedindo que se afastem. É possível ouvir choros e gritos também de crianças. No sistema de som, a funcionária que conversou com GZH pede, com um microfone, que a briga pare e que a Brigada Militar prenda os envolvidos.
— Antes da polícia conter a confusão, um dos homens de camisa da Seleção chegou a cair. Intensifiquei os pedidos para que parassem a briga, com medo que ele, um senhor de mais idade, fosse agredido no chão, o que graças a Deus não aconteceu. Quando a Brigada chegou, foi primeiro com dois soldados, depois outros dois vieram ajudar até os ânimos se acalmarem. Mas foi difícil, usaram até spray de pimenta — relata a mulher.
Apesar da cena violenta, não foi registrado boletim de ocorrência por nenhum dos envolvidos. A organização da Feira do Livro também não prestou queixa.
— Lamentamos muito esta briga próxima a crianças e prejudicando um espetáculo infantil. Atrapalha o movimento. Temos relatos de pessoas que deixaram de vir por conta das manifestações no Centro. Ainda assim, o volume de vendas e o cumprimento da agenda de atrações foi dentro da normalidade do feriado de Finados — pondera o presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, Maximiliano Ledur.
Para os atores que publicaram o vídeo do momento em que a confusão os impediu de apresentar o trabalho para o público infantil, ficou o medo de retaliação imediata, pela repercussão nas redes sociais. A resposta deles é seguir levando a arte aos palcos:
— Foi a primeira vez que passamos por algo tão desagradável. Fizemos toda a nossa apresentação com medo, pois não sabíamos o que podia acontecer depois. Precisamos agir para voltar a um estado de paz, de convivência com a diferença, respeito à arte e à vida. Naquele momento, tivemos agressões psicológicas a crianças, que estavam deitadas no chão, chorando, sem entender nada. Um monte de gente foi embora, ninguém queria ficar ali correndo o risco de passar por aquilo de novo.
Sem queixas registradas
O 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM) confirma que a situação foi controlada por quatro soldados. O comandante do 9º BPM, Tenente-Coronel Fábio Schmitt, explica que soldados atenderam a ocorrência e não conseguiram avançar na identificação, revista e encaminhamento a uma delegacia por conta do número de pessoas envolvidas no confronto físico, de acordo com as informações do boletim de atendimento da BM.
— Encontraram cerca de 10 pessoas trocando socos, chutes e tapas. Foi solicitado apoio via rádio, o que não gerou efeito por falha técnica dos aparelhos. Assim, este trio de soldados precisou usar força moderada, com elementos químicos, para conter a confusão. Não aparecendo testemunhas para registrar boletim de ocorrência, ela foi encerrada. Eram três soldados em meio a 10 pessoas brigando, nem sempre é possível efetuar algumas ações, como revistar ou deter por mais tempo. Eles conseguiram parar a briga, encerrar a confusão, este foi o desfecho possível — comenta o comandante.