O veredito que emergiu das urnas neste domingo (28) repetiu a tradição gaúcha de não reeleger governador e consagrou um advogado pelotense como o próximo inquilino do Palácio Piratini. Aos 33 anos, Eduardo Leite (PSDB) foi eleito com 53,62% dos votos, tornando-se o segundo governador mais jovem da história, atrás apenas de Júlio de Castilhos, o caudilho republicano que tomou posse aos 31 anos em 1891.
Ex-prefeito de Pelotas, Leite saiu de 8% nas pesquisas e venceu o primeiro e o segundo turno, derrotando o atual governador José Ivo Sartori (MDB), que ficou com 46,38% dos votos. A partir de 1º de janeiro, o tucano terá o desafio de administrar um Estado deprimido economicamente, cujo déficit previsto para 2018 é estimado em R$ 4 bilhões, atrasa salários há 34 meses e está prestes a ter uma folha de pagamento encostando na outra.
Na entrevista que concedeu à imprensa na noite deste domingo, em Porto Alegre, Leite repetiu a receita que pretende imprimir para recuperar as finanças do Estado.
— Adesão ao regime de recuperação fiscal, combate à sonegação, revisão dos benefícios fiscais, revisão do fluxo de caixa que permita pagar os servidores em dia. Não estamos anunciado nada agora do que não tenhamos falado na campanha. Sabemos que não será fácil. Governar o Estado é mais do que governar o caixa do governo — comentou.
Assista ao pronunciamento de Eduardo Leite:
Leite falou à imprensa no salão do comitê central, na zona norte de Porto Alegre. Atrás do futuro governador, um painel gigante exibia fotos dele e do vice, Ranolfo Vieira Júnior (PTB). Antes de ele chegar, alguém colou uma faixa com o nome de presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). Não tardou para que uma pessoa ligada à coordenação colocasse dois cartazes do tucano sobre o adesivo, escondendo o nome do capitão da reserva do Exército. No pronunciamento inicial, Leite saudou Bolsonaro pela vitória e disse que pretende ajuda-lo na “reconciliação do país”.
Ao redor do futuro governador, vários apoiadores vestiam uma camiseta com a frase “tem que tirar a bunda da cadeira”, provocação feita por Leite durante um dos debates do segundo turno e que irritou Sartori. Leite, porém, foi diplomático ao citar o adversário:
— O governador tem o meu reconhecimento pela sua idoneidade, boas intenções e por ter feito movimentos ao longo do mandato que foram positivos para o Rio Grande do Sul.
Em pouco mais de 50 minutos, o tucano disse que pretende estabelecer os primeiros passos da transição nos próximos dias, que a montagem do secretariado deve ser concluída em novembro e não descartou conversar com o MDB para a composição da base governista na Assembleia. Em vários momentos, porém, ressaltou ter sido vítima de fake news e manobras rasteiras na reta final da campanha:
— Muitos viram a desonestidade, a maldade, através de mentiras, fake news, boatos.
O dia de Leite começou cedo. Saiu de casa por volta das 7h para tomar café da manhã com Ranolfo, em Esteio. Na Capital, fez um périplo por emissoras de rádio e TV e almoçou galeto em um restaurante próximo ao aeroporto Salgado Filho antes de embarcar com a equipe para Pelotas. Mal embarcou no Super King Air, colocou fones de ouvido e deu play em Pai Nosso, do sambista Péricles. Ao som da canção, adormeceu.
Leite votou no Instituto Estadual de Educação Assis Brasil, acompanhou o voto da prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) e, assim como havia feito no primeiro turno, se recolheu na casa dos pais. Aos poucos, a casa lotou de apoiadores. Otimista, Leite se permitiu beber um copo de cerveja e cantou samba com a família. A alegria foi interrompida tão logo as urnas se fecharam. A boca de urna pesquisada pelo Ibope marcou empate técnico no limite da margem de erro, 52% a 48%.
Um silêncio se abateu sobre a residência. Na véspera, a última pesquisa havia registrado 14 pontos de diferença sobre José Ivo Sartori (MDB): 57%, contra 43% dos votos válidos. A vantagem havia caído drasticamente e poderia ser revertida caso houvesse uma onda de última hora.
A 275 quilômetros dali, o ambiente também era de apreensão em Esteio, onde Ranolfo estava acompanhado de correligionários e aliados do PP que trabalharam na coordenação da campanha, como Kevin Krieger, Guilherme Pasin e Gustavo Paim. De súbito, houve uma sensação de mea culpa pela tranquilidade com que o trabalho havia sido conduzido no domingo, dia da eleição.
— Em um dia, se tira 3%, 4%. Se tivesse mais uma semana, a gente corria sério risco de perder — diagnosticou um dos presentes.
O temor de uma virada de última hora era flagrante e prosseguiu com o início da contagem dos votos. Nas três primeiras parciais divulgadas pela Justiça Eleitoral, Sartori estava na frente. Leite só apareceu em primeiro lugar com 23% das urnas apuradas. A partir daí, foi aumentando a vantagem até a consagração final, às 19h, quando foi considerado matematicamente eleito. Pouco antes, Leite havia se recolhido ao quarto, no andar superior, abandonando a comemoração que tomava conta da casa. Ele recebeu uma ligação de Sartori na qual o governador admitia a derrota e cumprimentava o adversário. Eufórico, finalmente vibrou com amigos, familiares e assessores no jardim da residência. O tucano ainda fez uma transmissão ao vivo pelo Facebook e deu uma rápida entrevista à imprensa antes de seguir para a Avenida Bento Gonçalves, a principal via do município que lhe deu 90% dos votos:
— No momento que tu te lanças candidato, estás suscetível. É 50%, 50%, pode ganhar, pode perder — disse aos jornalistas, sobre o medo de uma derrota.
No núcleo da campanha, havia o receio de que a onda bolsonarista do primeiro turno se repetisse, agora embalada pelo slogan Sartonaro, pelo qual o governador tentou colar sua imagem à de Bolsonaro. Sartori cresceu, mas não o suficiente para garantir a reeleição.
— O que fizemos não foi com interesse eleitoral ou oportunismo eleitoreiro. A tomada de decisão refletiu exatamente o que pensávamos — afirmou.
Mais do que o temor de uma virada, o que incomodou Leite na reta final da disputa foram os ataques virulentos que recebeu nas redes sociais. O abalo mais contundente foi quando usaram uma imagem da família. No post que viralizou na internet, o candidato aparece ao lado de um homem sem camisa, sobre a legenda "É isto o que queremos para o Rio Grande? O primeiro governador homossexual do Brasil?". Na foto original, sem cortes, Leite está ao lado dos dois irmãos e da mãe no mar de Punta del Este.
— Agora são águas passadas. Não fazemos política com mágoas. Olhamos para frente — concluiu, durante a coletiva da vitória.