Estamos a pouco mais de um mês das eleições municipais de 2024, marcadas para os dias 6 (1º turno) e 27 de outubro (eventual 2º turno). Com a proximidade do pleito, várias dúvidas e questionamentos começam a surgir. Muitos eleitores ainda não decidiram em quais candidatos votar, e o início da propaganda política em emissoras de rádio e TV, nesta sexta-feira (30), poderá ser determinante para a escolha.
Independentemente de ideologias, as principais dúvidas são em relação ao que se deve levar em conta na hora de decidir o voto, afinal, é esse importante instrumento da democracia que decidirá quem irá governar e legislar o município pelos próximos quatro anos.
Diante disso, é imprescindível que o eleitor também saiba distinguir as principais responsabilidades de prefeitos e vereadores.
Para os cientistas políticos e professores João Ignacio Pires Lucas, da Universidade de Caxias do Sul (UCS), e Marcos Paulo dos Reis Quadros, diretor acadêmico da Faculdade Estácio, de Porto Alegre, uma das tarefas mais difíceis das eleições é identificar e combater as notícias falsas.
Confira as entrevistas completas:
O que se deve levar em conta na hora de decidir o voto?
João Ignacio Pires Lucas: Se fôssemos pensar do ponto de vista democrático, o eleitor ele tem uma liberdade em relação às suas escolhas. O próprio eleitor é quem precisa estabelecer os parâmetros, o que seria significativo a partir das suas preferências. Ele é o próprio avaliador, pois muitas vezes têm suas preferências de cunho ideológico. Se eu pudesse fazer uma recomendação, eu diria para que os eleitores buscassem saber o que realmente são as atribuições dos vereadores e do prefeito, para que eles tivessem os embasamentos mais adequados.
Marcos Paulo dos Reis Quadros: O voto é uma questão de foro íntimo e pessoal. O cidadão está apto a exercer esse direito com autonomia e consciência. Na prática, o eleitor decide seu voto com base em inúmeros fatores, destacando-se a identificação com a ideologia ou visão de mundo do candidato, as possibilidades concretas de que um candidato, se eleito, venha a favorecer os seus interesses ou a “compra” da imagem projetada por um candidato, que passa a ser visto como alguém confiável ou com capacidade de liderança. Programas de governo e as propostas definem o voto de uma parcela pequena da população.
E quais são as atribuições do prefeito e dos vereadores?
Lucas: O principal balizamento das pessoas é a própria lei orgânica dos municípios. Em linhas gerais, os vereadores têm uma relação mais direta com o plano diretor dos municípios e têm uma tarefa importante de criar as condições urbanas de mobilidade, de planejamento para que os cidadãos possam viver melhor, com a criação de projetos de leis, e fiscalizando o Poder Executivo. Já o prefeito tem um nível de atribuições um pouco mais elevado, porque ele precisa executar aquelas decisões que vêm da Câmara de Vereadores, pensando no planejamento urbano e fazendo a gestão das demais políticas públicas.
Quadros: Tais atribuições estão descritas no arcabouço legal, mas, em linhas gerais, se pode dizer que o prefeito deve gerir a cidade em sentido amplo, propondo políticas públicas, administrando os serviços e aplicando o orçamento a fim de sanar demandas da comunidade. Os vereadores, por seu turno, têm a função de legislar, fiscalizar o trabalho da prefeitura e defender os interesses das suas bases. Porém, acima de tudo prefeitos e vereadores são representantes que exercem o poder a partir da delegação das pessoas que não podem exercê-lo diretamente.
O eleitor está mais interessado em política nos dias de hoje?
Lucas: Eu diria que sim. Existe algo que talvez nenhum eleitor saiba, mas o conjunto da vida é marcado pela política. Até dentro de nossas casas vivemos no ambiente da política, pois nossa casa também é, de alguma maneira, monitorada e fiscalizada. Porém, algumas pessoas ainda têm uma visão limitada sobre o que seja político, ou seja, acha que política é só questão de eleições, partidos, ideologias, direitos, e isso é um equívoco. Também percebe-se que, nos últimos anos, está ocorrendo o ressurgimento de conflitos mais ideológicos, e tem renascido essa preocupação entre direita, esquerda, capitalismo e socialismo.
Quadros: É temerário afirmar isso. A política obviamente tem papel importante no debate público, mas há sempre uma fatia da população que prefere se manter alheia. Isso é natural e deve ser respeitado, já que a democracia também pressupõe o direito à abstenção. Porém, é verdade que mais recentemente temos visto um acirramento, que é fruto da polarização e da ampla circulação de mensagens com teor político no dia a dia das pessoas. Isso desperta paixões e instiga a necessidade de que todos definam o lado em que estão. Logo, a política passou a ser tema mais frequente, inclusive em ambientes e contextos privados.
A compra de votos ainda existe?
Lucas: Sim, e isso é talvez o problema mais sério. A compra dos votos pode acontecer de maneira direta e também via assistencialismo, com políticas de transferência de renda de última hora, que possam levar eleitores a trocarem de votos, por causa de algum benefício que tiveram circunstancialmente. É mais fácil de ver quando existem medidas populistas que são feitas nas vésperas das eleições e que tem bem o intuito de tentar influenciar a decisão.
Quadros: Certamente, sobretudo em áreas mais remotas do país. No entanto, não deixa de ser relativamente comum a troca do voto. Não se trata de receber dinheiro, mas de votar em um candidato a partir da promessa de uma determinada ajuda direta ao eleitor ou a seus familiares. Há muito pessoalismo no Brasil e ausência de fronteiras entre o público e o privado.
Como identificar e combater um dos grandes problemas no período eleitoral: as notícias falsas?
Lucas: É uma tarefa difícil. Com as novas ferramentas tecnológicas, temos visto a facilidade de reproduzir a voz humana e fazer alterações e adulterações em vídeos e fotos. Isso demanda a responsabilidade de órgãos de fiscalização e controle. A imprensa também é fundamental para poder ajudar o eleitor a não ser enganado. E como que as pessoas se vacinam contra isso? Quanto menos fanáticas ideologicamente elas forem, mais elas irão consultar a veracidade das informações em diferentes órgãos de comunicação.
Quadros: A mentira sempre circulou na sociedade em geral, e na política não é diferente. Novamente, o que ocorre agora é que as redes sociais e os aplicativos de mensagem fazem com que a falsidade se espalhe mais rapidamente e chegue a um maior número de pessoas. Particularmente penso que é quase impossível acabar com esse problema. É claro que a lei deve ser usada para coibir os abusos, mas prefiro apostar na liberdade, não na censura. Democracias saudáveis funcionam assim.