Projeto de lei provoca divergência entre escritores e livrarias, em Caxias do Sul

A disponibilização de espaço exclusivo e destacado às obras literárias caxienses nas livrarias da cidade é tema de um projeto de lei encaminhado pelo vereador Rafael Bueno (PCdoB), motivado, no seu entendimento, pela falta de divulgação dos escritores do município. A proposta, porém, provoca reação contrária de livreiros locais, que desconheciam a iniciativa.

A Associação dos Livreiros Caxienses, que representa 15 livrarias, decidiu encaminhar nesta semana um ofício à Câmara para tentar esclarecer a pertinência do projeto. Já a Academia Caxiense de Letras, que conta com 35 acadêmicos, é favorável ao que propõe o vereador.

De acordo com o projeto, nas estantes onde as obras literárias ficarem expostas deverá constar em destaque o título Autores de Caxias do Sul. Na justificativa do vereador, quando foi encaminhado o projeto, em 28 de março, consta: "Nossa cidade concentra uma grande gama de escritores das mais diversas áreas do conhecimento, que por muitas vezes não são conhecidos, devido à falta de divulgação das livrarias, ou por outros motivos".

Bueno argumenta que a partir do projeto estarão apoiando a produção literária local e valorizando o que é de Caxias. Mas a posição da Associação dos Livreiros é diferente.

- Impor a criação de um espaço para os autores da cidade, por força de lei, transmite a ideia de que nossos escritores precisam ser 'amparados' para conseguirem visibilidade - diz o presidente Cristiano Bartz Gomes.

E acrescenta:

- Tem a questão da liberdade de escolha dos livreiros, que fica comprometida quando o poder público intenta legislar sobre o uso específico de um espaço comercial privado, o qual tem um alto custo para as livrarias. E se a livraria for especializada em livros técnicos ou importados, por exemplo, como fica?

Para a associação, é um projeto de lei que na prática nada acrescenta, pois a venda do livro não ocorre pela mera exposição, mas pelo trabalho de divulgação que precisa ser feito pelo autor e pelas editoras.

- Os escritores não querem ser rotulados como "autores caxienses", preferem que suas obras estejam expostas dentro da sua área (literatura, poesia...), o que aumenta o potencial de venda.

Cristiano afirma que todas as livrarias do município já trabalham com livros de autores locais, inclusive as que integram grandes redes ou megastores.

Já o presidente da Academia Caxiense de Letras, Leandro Angonese, tem outra opinião. Ele diz que a estante especial dá visibilidade ao escritor. Para ele, a resistência das livrarias é justamente pela necessidade de terem que criar um espaço exclusivo, o que às vezes se torna difícil.

- Na livraria, separam por gênero e pelo alfabeto. Com a ideia da estante especial, daria mais visibilidade. Mas tem que estar em lugar visível.

Se o projeto do vereador comunista virar lei, está prevista multa de 30 VRMs (R$ 747,9, pois a VRM de 2014 está em R$ 24,93), caso seja descumprida. O texto está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Legislação, da Câmara de Vereadores.

Vereador defende ideia em meio a divergências

Apesar dos posicionamentos contrários dos livreiros, o vereador Rafael Bueno defende seu projeto, ressaltando que consultou escritores de Caxias. Ele cita o apoio de Leandro Angonese, da Academia Caxiense de Letras.

- Deveriam valorizar o que é nosso. Nas bibliotecas comunitárias já têm (estantes exclusivas), mas nas livrarias não se tem, é bem no fundo - exemplifica o vereador.

O livreiro Germano Weirich, da Livraria Do Arco da Velha, não sabia do projeto. Não há na livraria um setor específico para livros de Caxias e ele não vê razão para diferenciar dos demais. As obras são colocadas nas prateleiras por assunto, ganhando destaque quando são lançamentos.

- Só porque é de Caxias tem que ficar separado? Não vejo vantagem em colocar os que são de Caxias juntos - opina.

Weirich ressalta que, se a pessoa for procurar por assunto, não vai encontrar obras dos autores locais, por estar numa seção específica. Só iriam localizar se procurassem por autores caxienses.

- Não sei se na prática funciona, nunca testei, mas, se virar lei, vamos cumprir - conforma-se.

- Cada livraria tem seus critérios de classificação e metodologia, mas nunca vai ter por região em nenhum lugar do mundo - afirma Arcângelo Zorzi Neto, o Maneco, da Livraria do Maneco.

Ele acrescenta que a literatura só com autores caxienses vai vender menos, porque as pessoas procuram as obras por assunto. Na Livraria do Maneco há prateleira somente com autores da região, sendo a maioria caxienses.

Angonese, porém, diz que a estante exclusiva facilitaria as vendas.

- Se tivesse uma estante exclusiva, estaria acessível, por exemplo, para quem vem de fora e quer uma obra de um autor caxiense - defende.

A diretora do Departamento do Livro e da Leitura, da Secretaria Municipal da Cultura, Daniela Ribeiro, diz que na Biblioteca Pública Municipal há uma estante só de autores locais há muito tempo, no setor de Obras Especiais. Ela considera a ideia interessante, para mostrar o trabalho feito em Caxias, mas pondera:

- É preciso fazer um levantamento para saber o que já vem sendo realizado, verificando quais as livrarias que já destacam as obras locais.

O projeto

Art. 1º É obrigatória a exposição, com prioridade e destaque, nas estantes das livrarias e bibliotecas, das obras culturais literárias de qualquer área do conhecimento, de autores residentes no município de Caxias do Sul há mais de 2 (dois) anos.

§ 1º As estantes onde serão expostos os livros em questão deverão estar em local visível ao público.

§ 2º Nas estantes serão divulgadas as obras que estejam devidamente legalizadas e registradas nos órgãos competentes.

Art. 2º Nas estantes onde as obras literárias ficarem expostas deverá constar, em específico destaque, o título: Autores de Caxias do Sul.

Art. 3º A livraria, que use de catálogo ou qualquer outro meio de divulgação de venda, deve fazer constar, em prioridade, as obras de autores locais, para comercialização.

Art. 4º As livrarias e as bibliotecas, em atividade, terão o prazo de 90 (noventa) dias, contados da publicação desta Lei, para procederem a devida adaptação.

Art. 5º O descumprimento do disposto nesta Lei acarretará ao infrator, sanção administrativa no valor de 30 VRM´s.

Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.