Uma das localidades que receberam o reforço da Operação Dissolutio, em Bento Gonçalves, é o Residencial Novo Futuro, que já foi palco de seis assassinatos neste ano. O condomínio popular beneficiou 420 famílias que sonhavam com a casa própria, mas, ao longo dos anos, foi invadido pelo tráfico de drogas e recebeu um apelido que evidencia o tamanho do problema: Carandiru (antiga casa de detenção em São Paulo que foi cenário de um massacre que culminou com 111 detentos mortos).
— Não aguentávamos mais. Todas as noites era tiro e as mortes estavam virando rotina. Eu evitava até sair para levar o lixo. Vivemos no medo. Nós vemos (os crimes), mas não podemos fazer nada ou somos perseguidos. Nosso sonho é a Caixa (Econômica Federal, responsável pelos imóveis adquiridos via financiamento) vir e expulsar esses invasores. Eles (traficantes e assassinos) não são os donos dos apartamentos. Os titulares são trabalhadores. Esses invasores só querem droga — relata uma moradora que, por segurança, prefere não ser identificada.
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A prefeitura aponta que 1,5 mil pessoas moram no residencial. Para quem sonhou com um novo futuro, a Operação Dissolutio é bem-vinda. A presença policial afastou a criminalidade e devolveu o pátio para as crianças.
— Está bem mais calmo. Todos os moradores de bem estão contentes. A maioria chama os policiais de anjo da guarda. Os outros, claro, ficam contrariados. E queremos que continue assim. Gostaríamos de um posto da polícia aqui dentro. É a única solução de verdade — pede a moradora.
O sentimento é semelhante ao dos moradores do Eucaliptos, que desejariam a presença fixa dos policiais militares na entrada do bairro via ERS-444.
— Passamos todo dia e vemos os vendedores (de drogas), em qualquer horário, inclusive às 6h da manhã, quando vou trabalhar. O que melhorou (com a operação), principalmente, é que pararam os tiros que ouvíamos toda a noite e aquela folia de motocicletas nas ruas. Quanto mais policiais, melhor — relata um morador, que também pede sigilo.
Falta de política racional é descaso dos governantes, aponta sociólogo
O comando do 3º BPAT ressalta que a Operação Dissolutio tem dois objetivos: cessar os assassinatos e devolver a sensação de segurança à comunidade. O que a BM prefere não dizer é que a mobilização não é uma solução definitiva. A situação é destacada pelo presidente do Instituto Cidade Segura, Marcos Rolim, que lamenta a falta de uma política de segurança racional.
— Infelizmente, os governos agem sempre premidos por objetivos imediatos sem se preocupar com os resultados efetivos que produzem.
A proposta de Rolim, que é doutor em Sociologia e membro fundador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é a criação de equipes de dedicação exclusiva à investigação dos crimes dolosos que resultam em morte. Cada equipe deveria ser composta por pelo menos três agentes e investigar entre 20 e 30 homicídios por ano. Hoje, Bento Gonçalves não conta com uma delegacia especializada em homicídios. Os assassinatos são investigados pelos mesmo policiais que devem esclarecer roubos, tráfico de drogas e outros crimes.
— Atualmente, as polícias prendem muitas pessoas, mas raramente prendem um matador ou um criminoso sexual, porque, para isso, é necessário uma investigação complexa. Sem esse foco, a presença dos PMs nas ruas irá aumentar o número de prisões de suspeitos por outros delitos que não os homicídios, o que tende a agravar o problema — aponta o especialista.
Para resolver o domínio exercido por criminosos em bairros periféricos, Rolim afirma que a atuação policial precisa ocorrer em outro nível: na organização do tráfico de entorpecentes.
— Primeiro, seria preciso reduzir a lucratividade do varejo de drogas. Pode-se fazer isso com ações de inteligência que estrangulem as rotas e que permitam a prisão dos fornecedores . Nesse momento, o Estado deveria entrar com todo o seu aparato no território, fixando a polícia e oferecendo alternativas de trabalho e estudo aos jovens — opina.