O primeiro entrevistado da série As crises que Venci, o presidente do Conselho de Administração da Marcopolo, Mauro Bellini, atendeu à reportagem da sala de casa no litoral gaúcho. É dali, com seu celular, que ele participa da maioria dos compromissos atualmente. Com a pandemia, as viagens para reuniões deram lugar às videoconferências. Ele prefere o telefone móvel, pois teme falhas na conexão wi-fi da casa e, no celular, tem a opção da rede individual. Com a economia de tempo de deslocamento, mais reuniões são marcadas. Ao seu lado, nenhum executivo: só o chimarrão como companheiro de quem começa cedo o dia. Foi assim na quinta-feira (7), para entrar ao vivo, às 7h20min, no Gaúcha Hoje da Rádio Gaúcha Serra e para participar da transmissão ao vivo pelo pioneiro.com.
Em menos de 20 minutos, relembrou as crises que viveu desde a década de 1990, quando iniciou as atividades profissionais ligadas à Marcopolo, sendo responsável pelo desenvolvimento dos mercados do continente africano e Oriente Médio. Ele contou ter vivido a primeira crise na África do Sul, logo na chegada ao Aeroporto de Joanesburgo. A moeda local tinha se desvalorizado e foram aconselhados a voltar. Hoje o continente africano é um dos principais mercados da Marcopolo.
De todas as crises econômicas que acompanhou na companhia, Bellini destaca que é impossível eleger a pior, porque elas tiveram características diferentes. A de 2008, qualificou como profunda, mas rápida. A dos últimos três anos, destacou que não foi tão acentuada, porém longa. No caso da atual, provocada pela pandemia, Bellini acredita que tudo indica que ela será novamente profunda, e a expectativa é de que não seja longa. Caso contrário, a conjunção de fatores a tornaria a pior crise vivida pelo presidente do Conselho da Marcopolo. De qualquer forma, o empresário destaca que todas elas deixam um aprendizado. A lição que fica é de que todas passam, e o importante é estar sempre pronto para a retomada.
Como está sendo a superação da crise que estamos vivendo com a pandemia? Até porque ficam algumas lições, e uma delas tem relação com a revolução tecnológica.
É uma crise bem diferente das demais, algo que não engloba só um setor, em um só país. Em outras crises, se tinha no Brasil, mas não era mundial. Uma empresa mais globalizada poderia compensar. Essa crise pegou tudo e com um componente mais crítico, porque envolve diretamente a vida humana. O primeiro momento da crise, que é aquele de pânico, acredito que já passou, e agora estamos trabalhando para aproveitar as oportunidades. Com certeza, assim como nas outras crises, vamos sair mais forte dela.
O pico da pandemia estimado ainda não foi alcançado. Que medidas já foram tomadas e o que vocês estão prevendo?
As primeiras ações foram de seguir as recomendações do senhor Paulo Bellini, que dizia: o importante são as pessoas. Num primeiro momento parar, férias coletivas e, após isso, estamos com uma volta racional, aos poucos, e adaptando as condições para voltar a produzir dentro de um ambiente seguro. A ideia é que ele seja mais seguro que nas ruas. E usando a tecnologia sempre que possível. O caso das videoconferências é um dos primeiros aprendizados. Já tínhamos essa ferramenta, mas somente na necessidade é que todo mundo começou a usar, aumentando bastante a produtividade de todos. Na Marcopolo, já tínhamos a ideia de fazer algumas reuniões do Conselho de Administração via teleconferência, porque temos conselheiros de Caxias, São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro, mas essa crise nos levou a implementar essa reunião assim. Eu participo também na CIC, em que fizemos uma reunião com 88 participantes e foi o recorde. Se fosse presencial, nunca atingiríamos este número. Na semana passada, pelo banco Moneo, tive uma reunião em Caxias às 9h, 13h30min participei da assembleia da Confederação Brasileira de Golfe em São Paulo, e 17h tinha outro fórum do conselho de presidentes de empresas do sul, em Porto Alegre. Estando no Litoral, participei de todas. Antigamente, possivelmente eu iria para São Paulo, agradeceria o convite das outras porque não voltaria a tempo.
Já que estamos voltando no tempo, qual foi a primeira crise que o senhor venceu?
A primeira crise que eu senti na pele, e onde estava mais envolvido na tomada de decisões, foi em 1996. Foi na África do Sul. Eu trabalhava no setor de exportação da Marcopolo e aí, junto com o sócio Arnei Simionatto, a gente decidiu colocar uma empresa que iria trabalhar na venda de ônibus. Visitamos, analisamos o mercado e, em meados de 1996, fomos de mala e cuia, cachorro, tudo para nos instalarmos na cidade de Joanesburgo. A pessoa que nos encontrou no aeroporto disse que tinha uma sugestão: voltem para o Brasil. Tinha dado uma maxidesvalorização do rand, a moeda local, e como nosso plano de negócio era vender ônibus fabricado no Brasil, nosso produto ficava muito caro, fora de mercado. Nós não aceitamos o conselho, ficamos por lá trabalhando, atuamos em outros mercados e países da África, acabamos por abrir um escritório nos Emirados Árabes Unidos. A crise passou, nós já estávamos instalados lá e, depois, saímos na frente. Aí sim começamos a ter sucesso. Quando chegou o momento da colheita, na Copa do Mundo, nós já estávamos lá e conseguimos uma participação importante no mercado. Essa crise marcou porque não tinha outra solução a não ser não se apavorar, não entrar no modo pânico, e seguir trabalhando. Como tudo na vida, a crise passa, e depois tu tem que estar bem posicionado para seguir.
Essa foi só a primeira crise, depois tivemos as vividas aqui no Brasil. Qual foi a pior?
Elas foram diferentes. Teve a crise de 2008, que foi a pior no sentido de ser a mais profunda. Eu lembro que rapidamente a economia foi lá embaixo, porém voltou com bastante velocidade. Foi o tal do retorno em V. Quando surgiu a crise, entramos em um sistema de banco de horas, jornada reduzida, que logo em seguida voltou e conseguiu recuperar o que tinha sido perdido no primeiro momento. Depois teve essa dos últimos três anos, que dá pra dizer um crescimento bastante baixo, que não foi tão profunda, porém a extensão foi muito maior. Uma foi pior pela profundidade e outra pela duração, mas em todas a gente aprendeu e saiu mais fortalecido. Alguém uma vez já falou que, de tempos em tempos, é bom uma crise para rever nossas ações e sair dela fazendo mais com menos recursos.
Qual o conselho para outros empresários e pessoas que passam por esse momento de tantas incertezas em meio a esta pandemia?
O grande conselho é aprender com a crise, aproveitar o momento para rever ações e sair da crise fazendo mais com menos porque, na verdade, todo mundo vai fazer. Em termos globais, todas as instituições vão ter um ganho de produtividade. Com certeza, passou já a fase do pânico. Agora é trabalhar para que o momento em que se chegar a esse “novo normal”, porque não será como antes, a gente consiga sair fortalecido para seguir com sucesso nas nossas operações.