Quarenta e cinco anos depois de abrir as portas para acolher crianças e adolescentes, o Centro de Cuidados Nossa Senhora da Paz se despede de Caxias do Sul. As brincadeiras e atividades das turmas, que ainda podem ser vistas da Rua Carlos Bianchini, serão interrompidas no final de dezembro. Salvo uma mudança nos planos, ficarão para trás centenas de histórias de superação e inclusão social, de gurizada que aprendeu a tirar música da bateção de lata, dos primeiros passos no teatro e das partidas de futebol na quadra, da meninada que foi encaminhada para cursos profissionalizantes e primeiro emprego. A partir de 1º de janeiro, não haverá mais esse atendimento.
A decisão foi comunicada à Fundação de Assistência Social (FAS), que terá reunião nesta segunda-feira com pais dos jovens beneficiados e líderes comunitários. Ao todo, 160 meninos e meninas de cinco bairros frequentam o prédio ao lado do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), perto do Hospital da Unimed.
Por enquanto, a mantenedora Associação Educadora São Carlos (Aesc) prefere não se manifestar à reportagem. Conforme o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica), os motivos apresentados pela instituição têm embasamento estratégico. A associação quer concentrar esforços na educação e na saúde, que têm filantropia, e tirar o foco da assistência social. O custeio também estaria pesando na manutenção das atividades.
O Centro foi inaugurado em agosto de 1973, numa época em que muitas crianças perambulavam pelas ruas de Caxias em busca de esmolas. Ao longo do tempo, os pedintes nas sinaleiras diminuíram, mas a juventude seguiu ameaçada por fatores ainda piores. Por isso, o foco do serviço nunca mudou: acolher famílias que não queriam ver os filhos ociosos e vulneráveis em casa ou nas ruas. Em determinados períodos, quase 300 crianças e adolescentes chegaram a ser acolhidos num único ano letivo. De tão prestigiado, teve até candidato a presidente da República visitando o serviço.
— Acompanho esse trabalho há 30 anos e será uma perda lamentável, mas é uma decisão institucional. O que temos a fazer? Já falamos com a FAS para tentar uma alternativa, quem sabe locar o mesmo prédio e manter o atendimento. Percebemos que a demanda é maior no Desvio Rizzo, daqui a pouco podemos pensar em abrir lá um novo local, mas não é simples esse processo — pondera o presidente do Comdica, Elói Gallon.
FAS aposta em alternativas
A presidente da FAS, Rosana Menegotto, enviou ofício à Associação Educadora São Carlos pedindo que reconsidere a decisão de fechamento. Caso a medida seja irreversível, outra proposta do município é alugar o mesmo prédio no qual hoje é prestado o serviço e abrir chamamento público para contratar outra entidade. O imóvel é da associação, mas a FAS repassava verbas anuais e pagava o transporte dos alunos, o que gerava um gasto de cerca de R$ 270 mil por ano. A Associação São Carlos cobria despesas de pessoal, material e alimentação.
— Não queríamos que as irmãs (da associação) saíssem. Elas fazem trabalho de excelência e a gente perde — lamenta Rosana.
Caso nenhuma das alternativas tenha resultado, a FAS tentará achar outro espaço no Marechal Floriano para ofertar o serviço, segundo a presidente Rosana.
— A ideia é tentar localizar um imóvel nas proximidades, pois é difícil encontrar pontos na região.
Mesmo que o município garanta a continuidade com outra entidade, Rosana reconhece que só seria possível retomar os atendimentos possivelmente em abril. Uma mãe que tem filhos no Centro está temerosa. Segundo ela, o atendimento era contínuo e só parava alguns dias entre o período de festas de final de ano e o início de janeiro. Sem essa referência, a gurizada não terá onde ficar.
— Se eu deixar em casa, o Conselho Tutelar vai vir para cima de mim e cobrar. Queríamos ao menos que o serviço continuasse com a mesma equipe, pois eles não são apenas professores, eles criam vínculos com as crianças, eles encaminham para o mercado de trabalho, para cursos profissionalizantes — reforça a mulher.