Em Caxias do Sul, mais de 500 alunos de mestrado, doutorado, graduação e Ensino Médio recebem algum tipo de auxílio para conciliar os estudos com algum tipo de trabalho em prol do avanço científico.
A maioria deles é composta de profissionais com alta qualificação que poderiam ter ganhos financeiros maiores em outras áreas, mas optaram pela área acadêmica e veem constantemente sua escolha ameaçada pelas movimentações do orçamento federal.
Confira, a seguir, no que trabalham e o que motiva alguns dos pesquisadores atuando em Caxias do Sul.
Tomás saiu da graduação com um invento patenteado
Foi durante o curso de Engenharia Química na UCS que Tomás Augusto Polidoro, 36, teve o primeiro contato com a pesquisa acadêmica. Ele queria que o professor da disciplina de Bioengenharia o orientasse para o trabalho de conclusão da graduação, mas , para isso, precisava ter experiência em laboratório.
— Na época, eu tinha dois empregos. Larguei um e vim trabalhar como voluntário, até que consegui uma bolsa de dedicação parcial — lembra.
Desde que entrou no laboratório de Bioprocessos da UCS, em 2004, não saiu mais: durante a graduação, inventou um biorreator de tambor rotativo em tamanho de bancada de laboratório, que não existia comercialmente. O equipamento é usado para análises bioquímicas.
— Se, para um laboratório, eu quisesse comprar um biorreator de tambor rotativo para fermentação em estado sólido, não existia. Foi para suprir essa carência. Uma das aplicações é para o desenvolvimento de enzimas que convertam o bagaço de cana em etanol, ou ainda para aumentar o rendimento do suco de uva — exemplifica.
Graças às publicações que conseguiu durante a graduação, Polidoro pôde se qualificar ao mestrado em Biotecnologia com bolsa do CNPq. No início desde ano, o pedido de patente do biorreator ele havia feito há cerca de dez anos foi aceito e sua fabricação para venda é negociada com uma empresa de São Paulo.
— É de baixo orçamento mesmo (o reator). Foi feito com sucatas que fomos encontrando pela UCS. Poderia estar dentro de uma caixa industrial que custa R$ 3 mil, R$ 4 mil. Mas com um pouco de fita, cola, um termostato de geladeira e um secador de cabelo a gente monta a mesma coisa. A situação da pesquisa hoje no Brasil está mais ou menos assim — brinca.
Hoje, Polidoro já não depende da bolsa: assumiu como professor da UCS e se divide entre as aulas e o doutorado em Biotecnologia, para o qual trabalha em outro biorreator. Nos tempos de mestrado, recebia R$ 1,2 mil por mês para dedicação integral ao estudo. Ele diz que "sobrevivia" com o valor, que não dá direito a benefícios trabalhistas como férias e 13º salário. O que ele sentia falta, porém, era do contato com o mercado.
— Foi bom, o principal é a ajuda com a mensalidade do curso. Mas eu acredito que se fosse dado esse auxílio pagando o curso, com dedicação parcial, seria bom para não perder o contato com a indústria. O problema que a gente tem é esse. O estudante que pega uma bolsa de iniciação cientifica lá na graduação, aí faz o mestrado, o doutorado, o pós-doutorado e fica desempregado — pondera.
Cassiane trocou o mercado pela academia para pensar a inovação
Cassiane Chais, 31, foi sendo atraída aos poucos pelo mundo da pesquisa. Formada em Administração pela Universidade de Passo Fundo, ela começou a atuar como voluntária em grupos de pesquisa para adquirir uma experiência que não conseguiu diretamente na graduação, enquanto já atuava profissionalmente.
Sentindo a necessidade de se aprofundar mais, optou por um mestrado na área, opção só disponível em Caxias no assunto no qual pretendia estudar: inovação. Durante todo o curso, teve as mensalidades custeadas pela Capes, em troca de dedicação de 20 horas semanais à pesquisa. Mesmo assim, seguia indo e voltando entre as cidades para trabalhar.
— No doutorado, resolvi virar a minha vida drasticamente, porque percebi que o que eu quero e ser pesquisadora e atuar com a pesquisa e o ensino no Brasil. Então eu resolvi pleitear a bolsa Capes de dedicação exclusiva. Para assumir, tive que pedir desligamento do meu emprego e passei a ser somente bolsista — conta.
Hoje, recebe R$ 2,2 mil mensais para se dedicar exclusivamente à tese, valor que não é reajustado há quatro anos. Desde o ano passado, porém, a UCS e outras universidades comunitárias se qualificaram para uma modalidade de bolsa diferente das instituições privadas, que garante um adicional de R$ 1,4 mil para reinvestimento em pesquisa.
Conforme Cassiane, compensou: ela estuda, justamente, como a aposta em inovação pode tornar as universidades economicamente sustentáveis.
— O empreendedorismo pode ser um transformador local onde a universidade está inserida. A gente acaba vendo que a instituição se volta para uma cultura empreendedora, algo que extrapola os cursos que são tradicionais nesse sentido — explica.
Mesmo com o momento de escassez de recursos, Cassiane conseguiu vincular seu projeto ao CNPq, o que custeou suas viagens para visitar a USP, a Unicamp, a UFRJ e a Feevale. Ela também conseguiu cursar parte doutorado na Universidade de Monterrey, no México, com outro auxílio da Capes.
Para Cassiane, a dificuldade hoje é encontrar bolsistas de iniciação científica para compor os grupos de pesquisa, já que os valores pagos não são competitivos.
— Nós temos hoje uns dois bolsistas de iniciação científica da graduação e temos dificuldades de encontrar porque a maioria já está empregado, em estágio ou efetivado. São raros os bolsistas aqui do curso para completar as vagas.
Ligação entre Caxias e a Holanda para salvar os oceanos
Pode-se dizer que o impulso para o trabalho que Kauê Pelegrini, 27, realiza há mais de sete anos partiu de um e-mail. Ainda estudante de Engenharia Ambiental, ele passou a atuar como bolsista no laboratório de Polímeros da UCS, por sugestão de uma amiga.
— Eu não tinha a menor noção do que era. Acabei trabalhando por cinco anos e meio, recebendo aquela bolsa. Eu não conseguia nem pagar o aluguel, mas tem sua importância, auxilia em algumas coisas — lembra.
Durante o tempo como bolsista de iniciação científica, o auxílio era de R$ 300 mensais. Depois, foi reajustado para R$ 360 até chegar aos R$ 400 vigentes hoje. No laboratório, Pelegrini integrou um projeto que estudava a biodegradação de polímeros (plásticos) no solo, e depois no ambiente marinho. O assunto o atraía, mas depois de cerca de um ano, ele achou que já era tempo de avançar na vida profissional. Tudo mudou na participação do Encontro de Jovens Pesquisadores, evento da UCS para apresentação de trabalhos realizados pelo bolsistas.
— Eu acabei ganhando um prêmio ali, que foi o que me motivou a continuar trabalhando com isso — relata.
O maior incentivo, porém, veio em seguida, quando uma professora lhe mostrou o vídeo de uma conferência do holandês Boyan Slat, que havia fundado o projeto The Ocean Cleanup, justamente para tentar livrar o oceano dos plásticos.
— Eu achei fantástico. E como já havia trabalhado um pouquinho com isso, dei uma de metido e mandei um e-mail para ele. Na época, o site deles estava bem feio, recém montado. Peguei o endereço e mandei, falando que trabalhávamos com isso e tínhamos um pequeno conhecimento, se precisassem de auxílio — relata.
A resposta veio já no dia seguinte: o holandês disse que precisava de pesquisadores parceiros. O que se seguiram foram conversas por e-mail, Skype e uma parceria que perdura até hoje.
— A gente chegou a proporções que não imaginava. Já fizemos todo um estudo de caracterização dos polímeros que estão no mar e da possível reciclagem deles — comemora Pelegrini.
O objetivo é recolher os resíduos que resíduos que se acumulam na famosa "ilha" de plásticos do Oceano Pacífico, que fica entre a costa do estado norte-americano da Califórnia e o Havaí. Estima-se que cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos parem ali devido às correntes marítimas, em uma área de 1,6 milhão de quilômetros quadrados, ou duas vezes o tamanho da França.
Hoje, o Ocean Cleanup já tem um protótipo instalado na costa da Holanda. Trata-se de uma especie de barreira que aproveita o movimento das correntes e concentra os resíduos para que, em seguida, sejam recolhidos em navio. O trabalho de Pelegrini e da equipe da UCS ajudou a provar que é possível reciclar esses materiais.
— É um erro a gente pensar que é uma ilha literal, para chegar lá os materiais quebraram tanto que a maioria são microplásticos. Em uma viagem com a equipe visitamos um desses locais para ver como está a situação e fazer a quantificação. Muito raramente se encontrava um pedaço maior (de plástico). Era olhar para o lado da embarcação e contar os "pontinhos". E a parte que nós mostramos é que dava para reciclar, para vender esse material — explica.
Agora, no mestrado, Pelegrini quer entender como os polímeros resistem a sucessivos processos de reciclagem e como o ocorre a degradação dos resíduos que permanecem por algum tempo no meio ambiente antes de chegarem ao oceano. O projeto tem patrocínio de uma empresa que lhe auxilia com R$ 1,2 mil mensais.
Como objetivo profissional, ele busca seguir para o doutorado e permanecer no ambiente acadêmico, mas têm dúvidas sobre a sustentabilidade do setor.
— Tenho paixão tanto pela pesquisa quanto pela docência. Eu adoraria conseguir dar aula e fazer parte da academia. Mas esse é um problema que a gente está tendo hoje, que a crise econômica está batendo agora na academia. A gente vê a redução de alunos, muitos professores sendo demitidos, então fica cada vez mais difícil conseguir entrar nessa área que eu quero. É um pouco complicado, por esse motivo eu estaria aberto a tentar outro setor, mas não é a minha primeira opção — projeta.