A comoção causada pela morte de Naiara Soares Gomes, sete anos, exige um debate mais profundo sobre os riscos a que estão expostos crianças e adolescentes no caminho ou na porta da escola em Caxias do Sul. Nesta quarta, representantes da 4º Coordenadoria Regional da Educação (4ª CRE), da Secretaria Municipal de Educação (Smed), do Legislativo e da Central de Matrículas prometem discutir alternativas para minimizar essa vulnerabilidade. Naiara foi raptada numa das principais ruas da zona sul da cidade, a Júlio Calegari, quando seguia sozinha para o colégio, no bairro São Caetano. No trajeto, não havia viaturas da Guarda Municipal ou da Brigada Militar (BM). A exemplo de outras instituições de ensino, a escola de Naiara também não contava com policiamento fixo.
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O vice-presidente da União Caxiense dos Estudantes Secundaristas, Eduardo Matias, diz que a organização já está discutindo o assunto e que são muitos os relatos de insegurança por parte de alunos, principalmente de meninas assediadas na entrada das escolas por homens que passam em carros e param para abordá-las. Os estudantes apelam para o poder público para que haja uma mobilização, porém, ainda não planejam manifestações para pedir mais segurança.
Embora a discussão seja válida, é fato que não há estrutura para atender as escolas públicas e privadas da cidade como a população quer e precisa. Na prática, a BM só consegue manter policiais na entrada ou saída das escolas, além de rondas, o que não garante que crianças como Naiara estarão sendo acompanhadas, mesmo que eventualmente, no caminho de ida ou volta.
O comandante da Brigada Militar de Caxias do Sul, tenente-coronel Jorge Emerson Ribas, diz que desde o ano passado quatro policiais militares aposentados voltaram ao serviço para fazer a segurança exclusiva na entrada e saída de instituições públicas. A chamada Patrulha Escolar voltou à ativa no ano passado. De acordo com Ribas, as escolas prioritárias foram escolhidas após conversas com a 4ª CRE, a Guarda Municipal e a Comissão de Enfrentamento da Violência da Câmara de Vereadores.
Além dos PMs da reserva, há o apoio de viaturas para um patrulhamento eventual no entorno das escolas. São 10 viaturas voltadas para as escolas municipais e 10 para escolas estaduais, que, obviamente se desdobram para atender outros tipos de ocorrência, o que não garante prioridade aos estudantes.
O policiamento nas escolas se divide em dois turnos, das 7h às 13h e das 13h às 19h, favorecendo basicamente o horário de entrada e saída das crianças. Para a vigilância nos trajetos das escolas, a BM não tem previsão de estender o patrulhamento em função do baixo efetivo.
— Entendemos que este esforço é o que nós temos condições de oferecer hoje — afirma o comandante Ribas.
A Comissão de Enfrentamento da Violência, Comissão de Educação e Comissão de Direitos Humanos pretende convocar uma reunião para discutir como está a ação da força-tarefa que foi criada no ano passado para reduzir a violência que afeta os estudantes em Caxias.
Guarda diz ter mudado o foco
A Guarda Municipal diz que já vinha efetuando periodicamente o patrulhamento nas escolas municipais, mas alterou o foco das ações nas últimas duas semanas em função do caso Naiara.
— Não havia acontecido ainda um problema como esse, nosso foco era em assaltos no entorno das escolas. Agora, reestruturamos nossas ações para identificar indivíduos com comportamentos suspeitos próximo às escolas — diz o gerente do Centro de Ações Preventivas da Guarda Municipal, Ronaldo Godói.
Segundo ele, cinco suspeitos já foram identificados e denunciados nas últimas duas semanas e estão sendo monitorados. Além do patrulhamento, a Guarda Municipal passou a realizar atividades dentro das salas de aula, orientando alunos sobre estratégias de segurança e maneiras de eles se protegerem, como andar em grupos sempre que possível, não falar com estranhos nem aceitar doces ou presentes oferecidos, procurar estabelecimentos comerciais se estiverem se sentindo inseguros ou com a sensação de estarem sendo seguidos. Nestes casos, os guardas orientam também as crianças a memorizar características de possíveis suspeitos para que as informações possam ser repassadas para a polícia. O trabalho de orientação já foi feito em duas escolas até agora e atingiu cerca de 600 alunos. A ação deve permanecer até abril.
Atualmente, são oito guardas e uma viatura que realizam o patrulhamento nas escolas. Enquanto não houver chamamento de novos servidores, não será possível aumentar o efetivo, alega Godói. Em contrapartida, o gerente informa que aumentou consideravelmente o número de pais que passaram a acompanhar as crianças até as escolas e o cuidado em relação a possíveis suspeitos.
Escola prioritária aponta baixa vigilância
Apontado como prioritário na atuação da patrulha escolar, o Instituto Estadual Cristóvão de Mendoza, no bairro Cinquentenário, não contava com policiamento no final da tarde de ontem, justamente no momento da saída das crianças. A situação é apenas um exemplo do que ocorre na rede pública. A diretora da escola, Fabiana Simonaggio diz que o patrulhamento é raro.
— Policiamento é muito de vez em quando. E nós precisamos principalmente nos horários de entrada e saída porque semanalmente há casos de crianças sendo assaltadas na frente da escola e de meninas que sofrem ameaças. Estamos em uma região bastante vulnerável — alerta a diretora.
Segundo Fabiana, houve pouca mudança no comportamento dos pais desde que o caso rapto, estupro e morte de Naiara virou um dos principais assuntos da cidade.
— Os que já buscavam continuam buscando, mas a maioria das crianças que ia sozinha continua assim — diz Fabiana.
Alex dos Reis, no entanto, mudou de atitude. Ele é pai de um menino de oito anos e de uma menina de 12 que frequentam o Cristóvão. Ontem, ele estava no local para buscar os filhos
— Antes, os dois iam e voltavam sozinhos, mas que agora eu ou a minha mulher vamos buscá-los sempre. Estamos nos organizando para contratar um serviço de transporte _ ressalta Alex.
Comissão quer respostas
A vereadora Paula Ioris (PSDB) diz que a reunião convocada hoje pela Comissão de Enfrentamento da Violência, Comissão de Educação e Comissão de Direitos Humanos quer entender o que está acontecendo em Caxias do Sul em relação ao zoneamento escolar e transporte de estudantes.
— Queremos saber o que, de fato, ocorre. Por isso, convidamos a secretaria da Educação, o pessoal da Central de Vagas (de Matrículas) e também do transporte. Qual é o tamanho da fila, afinal? Não ter vaga perto de casa acaba causando insegurança — ressalta a vereadora.
Para Janice Moraes, coordenadora da 4ª CRE, a designação de uma escola para alunos no momento de inscrição para a matricula é um aspecto muito importante. Para ela, o zoneamento deve ser obrigatório para que os menores estudem em locais próximos de onde residem, o que reduz a exposição no caminho dos estudantes, diferentemente de Naira, que precisava percorrer mais de quatro quilômetros diariamente para ir e voltar da escola e acabou sendo vítima de um abusador.
Além dos casos em que as famílias não conseguem matricular as crianças em instituições perto de casa, Janice diz há muitas situações em que os pais inscrevem as crianças em escolas que consideram melhores, mas que ficam mais afastadas de casa, utilizando inclusive comprovantes de residência falsos. Para a coordenadora, precisa haver a conscientização entre famílias e poder público.