Cada vez mais organizados e violentos, ladrões estão impondo a lei do terror em moradias da Serra gaúcha. Juntas, Caxias do Sul e cidades vizinhas como São Marcos, Farroupilha, Flores da Cunha e Bento Gonçalves tiveram 60 investidas a residências de janeiro a abril deste ano. No mesmo período do ano passado, foram 56 ataques. Cidades que sequer haviam registrado esse crime em 2015 também engrossam a lista.
Seriam diversas quadrilhas atuando em Caxias e na região. Destas, uma tem mostrado atuação mais organizada: o assalto é planejado, o que inclui monitoramento da vítima, caso de três roubos diferentes onde os assaltantes usaram camisetas da Polícia Civil para invadir duas residências, em Caxias, e a farda da Brigada Militar para abordar um empresário em uma falsa blitz, em Garibaldi.Mais do que qualquer outro crime, o roubo a residência deixa marcas pois atinge o porto seguro de qualquer pessoa.
Tanto na zona rural quanto na urbana, muitas vítimas reforçaram a segurança e mudaram hábitos, principalmente monitorando a chegada e saída de familiares. Ainda assim, com câmeras, alarmes e cerca elétrica, a sensação de impotência não desaparece.
– No dia do roubo, o meu maior medo é que eles não conseguissem terminar o assalto como planejado. Diziam que se encontrassem uma viatura da polícia atirariam na gente. Fiquei dias sem comer, sem dormir. Agora, quando estou na roça, sozinha, trabalhando, sempre tenho a impressão de ver alguém. Venho correndo para casa – descreve a refém de um roubo que teve 18 reféns em abril em Fazenda Souza, em Caxias.
Lei do terror
No tradicional bairro Cinquentenário, também em Caxias, uma família luta para superar trauma semelhante ao dos trabalhadores rurais de Fazenda Souza. No dia 12 de maio, seis pessoas foram rendidas em uma residência na Rua das Gardências. Três criminosos entraram na moradia no instante em que o portão da garagem fechava após a passagem do carro ocupado por um familiar e amigos. Para subjugar os reféns, o trio ameaçou matar uma criança de cinco anos.
– Nos mandaram deitar e colocar as mãos para trás. Tentaram nos amarrar com fios de luz que estavam na casa. Não conseguiram e desistiram. Eu fui o mais agredido. Do início ao fim ameaçaram a criança: "não se mexam ou o guri morre, onde está isso ou o guri morre – descreve uma das vítimas.
Os ladrões pareciam ter informações privilegiadas e exigiam a localização de um cofre que a família não possui. O bando se contentou com joias e eletrodomésticos.
– Tenho cerca elétrica, alarme, censores. Não sei mais o que fazer. Sei que vou ser assaltado de novo. Não sei quando, mas eles vão voltar – desabafa o morador.
Assaltos a residências entre janeiro e abril nas principais cidades da Serra:
2015
Bento Gonçalves 14
Caxias do Sul 31
Farroupilha 10
Flores da Cunha 1
São Marcos 0
Total: 56
2016
Bento Gonçalves 14
Caxias do Sul 33*
Farroupilha 7
Flores da Cunha 5
São Marcos 1
Total 60
Cidades menores da Serra que não haviam registrado assaltos a residência no ano passado. Confira:
2016
Boa Vista do Sul 1
Carlos Barbosa 4
Nova Bassano 1
Nova Prata 1
Santa Tereza 2
Total 9
DEPOIMENTO DE VÍTIMAS
'Agora vivemos angustiados'
– Saí na frente de casa e me vi cercado por cinco homens armados. Usavam lenços e toucas. Perguntaram quem estava em casa, se tinha câmeras, disseram que se achassem (câmeras) matariam a gente. Renderam minha esposa, meus filhos e a namorada do mais velho. Eles queriam dinheiro e armas. Eu entregava alguma coisa e apanhava. Arrastaram minha esposa pelo cabelo, pedindo mais dinheiro. Queriam saber do meu irmão, que mora perto. Por três vezes, fui até lá com eles. Na última fomos até a casa do meu outro irmão, também perto. Chegamos lá e renderam a família. A minha sobrinha passou mal. Tremia muito, não se mexia, tive que carregá-la. Na saída, um vizinho viu os carros e abanou para nós. Foram rendidos também. Já eram 14 reféns na minha casa. Eles começaram a ficar nervosos, era muita gente. Carregaram celulares, videogame, tênis, relógio, televisão. Eles iniciaram a fuga da minha casa e levaram eu e mais duas pessoas. No caminho, encontramos mais pessoas. Todos foram rendidos e levados para a minha casa. Já éramos em 18. Eu e mais dois saímos de novo com os ladrões e fomos liberados depois. O pior foi ver minha esposa e meu filho sendo machucados. Isso a gente não esquece. Agora temos medo, vivemos angustiados, dormimos mal. Na primeira noite, os filhos acordavam gritando.
(Refém de uma sequência de assaltos que durou quatro horas na localidade de Carapiaí, em Fazenda Souza, no interior de Caxias do Sul. no dia 10 de abril).
'A humilhação não passa'
– Eles entram na tua casa, rendem a tua família. A sensação de humilhação, impotência, não passa. Imagina ver tua mãe de camisola sendo amarrada? A impressão que é que vou acordar com aquilo de novo. Os assaltantes entraram por baixo do portão eletrônico, quando meu marido saiu para fazer uma entrega. Dois funcionários trabalhavam no depósito e foram os primeiros a serem rendidos. Eram três bandidos. Um deles vestia uma camiseta preta com um emblema da polícia e foi assim que se identificou: como um policial que tinha ido fazer uma vistoria. Os outros dois estavam encapuzados e com pistolas. Eu acordei com um puxão no braço e com uma arma na minha cara. Usavam o nome da polícia pra tudo. Amarraram nossos braços e pernas e nos deixaram no chão da sala. Conforme os funcionários iam chegando, eles iam rendendo, tirando os telefones celulares e amarrando. Um abria o portão e o outro abordava as pessoas. Uma das funcionárias chorava muito, desesperada, diziam que iam nos matar. No fim, éramos em 11 vítimas em casa. Nos chamavam pelo nome, pediam dinheiro e armas. Foram quebrando tudo. O pior é não saber como aquilo ia terminar: iam nos matar, atirar ou levar alguém? É interminável. Falavam em dar choque, quebrar os dentes se não colaborássemos. A gente se sente desprotegido.
(Refém de um ataque a uma residência no bairro Marechal Floriano, em Caxias do Sul, no dia 9 de março).
Crimes seguem padrão
Várias são as hipóteses da polícia para o crescimento de roubos a residência, como a migração de bandidos que cometiam outros tipos de crimes. Mas é a facilidade para entrar em uma residência, render uma família e não ser visto por vizinhos que têm tornado as casas alvos atrativos.
_ Os ladrões entram de forma rápida, armados, ficam com as vítimas subjugadas e acreditam estarem em segurança por conta disso. Ignoram que podem ter sido vistos por algum vizinho, filmados por uma câmera de segurança. Quando vão embora, contam com o tempo da vítima de se libertar e acionar a polícia. Uns (criminosos) fizeram isso e deu certo, e os outros seguiram o embalo _ avalia Mário Mombach, titular da Delegacia de Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec).
Além disso, os bandidos vislumbram o resultado: acreditam que podem conseguir dinheiro, armas, eletrodomésticos e carros, bens mais valiosos se comparados ao que obteriam num roubo a farmácia, mercado ou posto de combustível, por exemplo.
Os crimes deste ano também seguem um padrão: os bandidos se aproveitam quando portões eletrônicos são abertos para a passagem de um carro para entrar no pátio, a pé. Em vários casos, sabem que as famílias receberam dinheiro de negócios recentes e até onde fica o cofre da família. Há casos em que as vítimas foram chamadas pelo próprio nome. Sinais de que alguém bem próximo às vítimas está repassando informações para os bandidos.Concluído o roubo, os bandidos fogem em um carro que os aguarda do lado de fora e, às vezes, levam também o da vítima. Os veículos são repassados ou usados em outros crimes, eletrodomésticos e roupas caem nas mãos de receptadores.
Diversas quadrilhas na Serra
Se algumas quadrilhas escolhem e preparam os ataques com antecedência e organização, outros, segundo a polícia, escolhem o alvo aleatoriamente e aproveitam oportunidades como de um morador chegando em casa, situação que ocorreu num assalto em São Braz no dia 18 de maio, em Caxias, onde os criminosos roubaram equipamentos e acabaram presos durante perseguição da Brigada Militar. Um deles morreu em troca de tiros.
– A maior dificuldade da Polícia Civil é monitorar os suspeitos. Não temos efetivo para isso. Nem nós nem a Brigada Militar. Para comprovar a atuação do bandido no assalto eu preciso identificar elementos que comprovem a participação dele. Encontrar eles (os assaltantes) com os objetos roubados não é suficiente para provar que eles assaltaram uma residência – justifica o delegado Mário Mombach.
Em maio, dois homens foram presos pela BM com armas, munição e diversos objetos retirados de moradias durante assaltos. Cristiano da Silva, o Shrek, e Jonatan Gonçalves da Rosa, escondia o material numa casa no bairro Charqueadas. Entre os bens recuperados, estava um Punto, roubado durante um ataque a uma moradia no bairro Lourdes. Não se comprovou o envolvimento deles nos roubos. Por esse motivo, foram autuados por receptação e porte ilegal de arma. A prisão foi convertida em preventiva. Outro caso semelhante também resultou apenas em prisão por receptação: Joanin Tadeu dos Santos e Daniel Moraes foram flagrados presos pela BM de Caxias do Sul com três carros roubados e diversos objetos. Um dos veículos havia sido levado num roubo a residência.
Informações privilegiadas
Por ser uma região caracterizada por propriedades rurais e que concentra empresários de alto padrão, a Serra tem chamado a atenção de bandidos de vários lugares do Estado, que passam a monitorar vítimas em potencial. É o caso de um assalto em Nova Petrópolis onde uma das vítimas, Márcio Kickow, 20 anos, foi morto pelos ladrões no início de março.
Dois bandidos foram presos em Guaporé e um terceiro em Lajeado. O crime foi planejado por um quarto criminoso, que residia há algum tempo na cidade e orientou os comparsas com a falsa informação de que a família guardava muito dinheiro em casa. Em alguns roubos, os assaltantes se aproveitam de informações trocadas no próprio sistema prisional. É a suspeita, por exemplo, do assalto a um grupo de empresários e ao delegado Leônidas Augusto Reis, de Carlos Barbosa no dia 26 de abril. Em Lajeado, foram presos três suspeitos. Dois são foragidos de Marau e um de Passo Fundo. O trio é investigado por outros dois crimes: um roubo a residência em Garibaldi e outro a residência e vinícola de uma família em Bento Gonçalves.
– Eles cometem crimes longe do seu lugar de origem buscando impunidade, saindo da investigação policial daquela localidade, onde são conhecidos – afirma o delegado Leônidas.