![Neimar De Cesero / Agencia RBS Neimar De Cesero / Agencia RBS](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/7/8/3/5/1/1/5_84b48acd246cdc8/5115387_3d989c990e3d07e.jpg?w=700)
Quanto mais instável o clima, menores são os resultados colhidos na terra. A máxima sobre ambiente e agricultura nunca foi tão nítida quanto no ano passado, quando a chuva que atingiu o Rio Grande do Sul provocou perdas milionárias em cultivos variados. Na Serra gaúcha, expoente na vitivinicultura, a produção de uvas está entre as impactadas pelos deslizamentos de terra.
Um levantamento da Emater de Caxias do Sul indica que 500 hectares, sobretudo de parreiras, foram atingidos em toda a região. Dessa área, cerca de 300 hectares não puderam ser recuperados e foram abandonados. O episódio climático despertou o alerta para as mudanças – tanto no clima, quanto na cadeia produtiva vinícola, que precisa se adaptar para manter a produtividade e qualidade.
Tendo em vista a resiliência na agricultura, a Emater e a Embrapa firmaram uma parceria para avaliar as propriedades atingidas por deslizamentos. O estudo, que começou em novembro do ano passado e está em andamento, analisa os locais que registraram desmoronamentos e propõe mudanças na estrutura.
— Uma série de elementos estão sendo observados: a localização das casas, onde fica a área de cultivo, o espaço em que está a mata, até mesmo as ruas estão sendo avaliadas. Esse será um modelo genérico, que poderá ser adotado pelos produtores. Estamos ainda em fase de elaboração, mas para operacionalizar essas ações certamente teremos de buscar ajuda de órgãos e do governo — explica o gerente da Emater regional de Caxias do Sul, Gilberto Bonatto.
Contudo, outras iniciativas que combinam sustentabilidade e adaptação já estão sendo testadas e implementadas em vinhedos da região. É o caso das plantas de cobertura, aliadas na sustentação do solo e combate à erosão. A vegetação, que muitas vezes se assemelha com plantas daninhas, tem ganhado espaço entre os vinhedos nos últimos anos.
— São cultivos de aveia, azevém, ervilhaca, cultivados no solo abaixo das parreiras. Essas plantas são essenciais para manter o solo em situações de chuva intensa. Para se ter noção, em um estudo que desenvolvemos na Embrapa, em uma área de 12 por 18 metros, notamos que a parte sem plantas de cobertura sofreu mais com a ação do clima. Em cinco anos, esse espaço perdeu 20 centímetros de terra — detalha o pesquisador George Wellington Mello.
Além de manter o solo intacto, as plantas contribuem na manutenção da matéria orgânica, impedem o crescimento de ervas daninhas, mantêm a umidade do solo e, segundo o mais novo estudo da Embrapa, também podem ser usadas na fertilização.
— Apresentamos nesta semana, no Dia de Campo, o estudo que mostra como essas plantas podem ser usadas na adubação. Em vez de colocar o adubo na videira, colocamos na planta. Quando ela é manejada e cortada, libera nutrientes que são usados no desenvolvimento da videira. Não tenho dúvidas que essa técnica só vai crescer neste meio vitivinícola — pontua.
Alternativas para ter água nos ciclos certos
Os períodos de estiagem, vistos entre 2020 e 2021, também impulsionaram mudanças nos vinhedos. Há pelo menos quatro anos, sistemas de irrigação foram adotados por produtores da região para garantir o desenvolvimento das uvas em períodos em que a água é essencial.
— Entre agosto e setembro, no período de brotação, a água é fundamental. Depois, entre final de novembro a janeiro, no período de crescimento, as videiras também precisam da chuva. É justamente nesses casos que o sistema de irrigação auxilia na vitivinicultura, sobretudo impedindo a perda de volume na produção — comenta o gerente agrícola da Cooperativa Aurora, Maurício Bonafé.
![Eduardo Benini / Divulgação Eduardo Benini / Divulgação](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/8/5/6/7/3/1/5_0d9df2b5ae2137e/5137658_813586c76011745.jpg?w=700)
Conforme ele, a técnica se popularizou entre os associados. Atualmente, 350 hectares entre todas as propriedades (cerca de 10% dos vinhedos da cooperativa) já contam com o sistema de irrigação. As pequenas mangueiras acopladas ao topo das videiras regam os parreirais de forma controlada e, em alguns casos, também disseminam adubo.
A expectativa da cooperativa é que a irrigação seja ampliada nas propriedades. No entanto, com limitações. Isso porque a maior dificuldade se concentra em armazenar a água. De acordo com Bonafé, nem todas as propriedades dispõem de espaços para a construção de açudes ou barramentos. Nesses casos, a orientação é investir nas plantas de cobertura para garantir maior umidade no solo em períodos de seca.
Doenças controladas com o clima conectado
Observar o clima é parte da rotina de quem trabalha com cultivos. No caso da uva, o controle do tempo é determinante para prever a formação de fungos e doenças que atingem as videiras. Períodos úmidos ou de seca podem propiciar o adoecimento nos vinhedos, no entanto, a instabilidade climática dificulta o monitoramento desses problemas.
Um programa de prevenção desenvolvido pela Embrapa em parceria com uma startup de Lajeado, no Vale do Taquari, tem tornado o controle das doenças mais assertivo. O sistema conta com estações meteorológicas instaladas em vinhedos da região, que coletam dados do clima. As informações são enviadas para um programa que determina as chances de doenças acometerem os parreirais.
![Eduardo Benini / Divulgação Eduardo Benini / Divulgação](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/3/6/6/7/3/1/5_458a1c86e612ff7/5137663_a99244e23d2e95a.jpg?w=700)
— Notamos que os produtores faziam aplicações semanais de produtos para controlar essas pragas. Mas em anos de muita chuva, a água lavava a planta, retirando toda a aplicação. Em anos de seca, nem sempre o clima era propício para o desenvolvimento da doença, então a aplicação era desnecessária. A partir disse sistema, conseguimos determinar a resistência da variedade da uva e reduzir as aplicações apenas quando o cenário indica chance de formação doenças — exemplifica o pesquisador Lucas Garrido.
De acordo com ele, as aplicações, antes feitas semanalmente, agora ocorrem a cada 15 dias. Além de representar redução de custos para os produtores, o sistema também contribui para uma produção mais sustentável. Segundo Garrido, cerca de 70 propriedades contam com o modelo, contudo outras vinícolas da região têm demonstrado interesse em levar o projeto até produtores.
Do laboratório para o parreiral
Ativo há quase 50 anos, o programa de melhoramento genético de uvas, desenvolvido pela Embrapa, tem nas mudanças climáticas novos desafios: criar variedades adaptáveis ao clima. Conforme a pesquisadora Patrícia Ritschel, uvas com ampla adaptação climática já são realidade.
— A variedade BRS vitória, por exemplo, pode ser produzida com qualidade tanto aqui no sul do Brasil, como na região do Vale do São Francisco, onde há o clima tropical. A qualidade dessa uva se mantém, apresentando pequenas diferenças que podem ser solucionadas com o manejo — detalha.
![Viviane Zanella / Embrapa Uva e Vinho / Divulgação Viviane Zanella / Embrapa Uva e Vinho / Divulgação](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/7/6/6/7/3/1/5_d484293e6a3ee8e/5137667_b8120a936b69cb8.jpg?w=700)
Além dessa variedade, a BRS magna, utilizada para a produção de sucos, e a BRS lorena, usada para vinhos, são outros exemplos que passaram pelo melhoramento e hoje possuem adaptação aos diferentes climas.
Contudo, outras questões climáticas, como a escassez hídrica, possivelmente se tornem os próximos eixos de estudo dentro do melhoramento genético. O grande desafio será alinhar o tempo necessário para a pesquisa, com as demandas do segmento.