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Medicamentos para doenças raras, que têm dia internacional e municipal celebrado no dia 28 deste mês, exigem um esforço particular das famílias para a obtenção. Até que se inicie o tratamento, pacientes precisam aguardar a aprovação da Anvisa, muitas vezes encarar preços exorbitantes e na maioria delas lutar por medidas judiciais que garantam a gratuidade.
Aluno do 5º ano do La Salle Caxias, Bernardo Hoffmann, 11, passou por todo esse processo até garantir o recebimento do único tratamento disponível para a acondroplasia, a causa mais comum do nanismo. Quando a mãe, Flávia Hoffmann, 48 anos, estava grávida, a vosorotida estava ainda em estudo. Quase 10 anos e uma batalha judicial depois, o medicamento que estimula o crescimento ósseo pôde enfim ser administrado no filho. É uma liminar que garante o recebimento mensal das doses.
— Eu chorei na primeira aplicação. Quando descobrimos na gravidez, estava sendo testado em laboratório e fomos acompanhando até que a medicação se tornou realidade. A Anvisa aprovou a importação, mas ainda não está incorporada ao SUS. É impossível comprar, fiz as contas e pode custar entre R$ 80 e R$90 mil por mês — conta Flávia.
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As injeções diárias, aplicadas já há um ano e três meses, ajudaram Bernardo a crescer nove centímetros no período. O normal para uma criança com nanismo seria ter crescido cerca de quatro em um ano. Além da altura, está na extensão dos braços a maior percepção do crescimento. De acordo com a mãe, foram quase dois centímetros a mais entre uma mão e outra.
— É como se ele tivesse um freio de mão puxado. Crianças crescem seis centímetros ao ano e ele fica entre três ou quatro. O medicamento consegue suprir esse déficit, abre a placa de crescimento e atua ali. Então, é uma coisa revolucionária. Com o medicamento ele volta para a curva — diz.
A vosoritida tem substância semelhante ao peptídeo natriurético tipo C, uma proteína do corpo. Produzido por tecnologia recombinante, o medicamento é indicado para crianças a partir dos dois anos de idade.
Seu uso é interrompido quando a placa de crescimento, localizada nos ossos longos do corpo, como a tíbia, se fechar. Isso ocorre geralmente aos 20 anos. Como em outros tratamentos, a vosorotida oferece melhores resultados o quanto antes for administrada.
— Com a idade do Bernardo, que está alcançando a puberdade, vamos notar mais o crescimento ósseo. Mas em crianças mais novas já vemos mudança nas feições e inclusive as comorbidades podem diminuir — explica Flávia.
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Acondroplasia vai além da baixa estatura
A alteração genética causadora da acondroplasia pode afetar outras partes do corpo, como os ouvidos, com infecções e otites e há ainda complicações na boca com problemas de desalinhamento dos dentes e palato estreito. Dores nas costas e nas pernas são comuns e já são sentidas por Bernardo, que é acompanhado por médicos geneticistas e endocrinologistas.
Joga e joga
Injeções diárias, muito videogame, escola e futsal três vezes por semana. A rotina de Bernardo é comum à de qualquer menino da sua idade. No Playstation, o Fifa, um dos seus jogos favoritos, marca mais de 400 horas jogadas em 2024.
Bernardo poderia ser uma figurinha, mas foi personagem da Turma da Mônica. Lançado em 2022 o livro “Meu Amigo com Nanismo” traz o caxiense ao lado de Cebolinha e Cascão. A história narra o primeiro dia de aula na escola nova, com o desafio de se enturmar e explicar sua condição.
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Nem tão distante da ficção, um confiante Bernardo tem driblado suas dificuldades. No ano passado, liderou o time da escola campeã de futsal dos Jogos Escolares Sub-12. A convocação foi uma surpresa: Bernardo era o mais novo do grupo e, com quatro gols em 15 jogos, incluindo na final, mostrou a que veio:
— O drible é minha melhor qualidade e no jogo de corpo também sou bom, a finalização preciso melhorar. Gosto do Cristiano Ronaldo, mas meu preferido é o Memphis Depay, só não gosto do time que ele joga (o Corinthians).
A medalha de campeão que carrega orgulhoso no peito fez virar uma chave no garoto, que agora quer fazer da paixão pelo futsal, profissão. E, se depender do técnico do ano passado, Arthur Viecceli, o guri vai longe e não só pela qualidade técnica, mas pela força de vontade e espírito de equipe.
— Fizemos um peneirão para decidir o time que iria ao campeonato e ele era o que mais se esforçava para estar nele. Começamos a treinar e ele se mostrou uma liderança, o que me surpreendeu muito. Jogou quando tinha dez anos com meninos de 12. No banco, incentivava os colegas a darem o máximo. Foi um líder. Nunca teve medo por conta da sua condição, o receio do comportamento de outros alunos ou do público era só meu, e todos abraçaram a ideia — conta.