Longe de casa e à espera de amor, afeto, carinho e da segurança de estarem rodeadas e amparadas por uma família, 33 crianças ou adolescentes aguardam por uma chance de reescrever a própria história em Caxias do Sul. Por outro lado, no Cadastro Nacional de Adoção, há 250 adotantes aptos na cidade. São casais, mulheres ou homens solteiros que estão à espera de um filho ou uma filha e que podem transformar essas 33 vidas. Contudo, a maioria, segundo o Juizado da Infância e Juventude (JIJ), deseja adotar bebês de até dois anos, sem doenças ou apenas com doença tratável. O tempo de espera está em nove anos para esse perfil.
A empresária Idiane Gioti Duarte, 38 anos, e o mecânico de manutenção John Dallemole, 39, estão entre esses casais que esperam ansiosos para se tornarem pais por adoção. O casal optou pelo perfil de zero a seis anos. A empresária sabe que, caso o filho ou filha seja maior, o processo é mais delicado e precisa de mais adaptação e paciência:
— Ele também tem que gostar da gente. Tem que dar match. Tem o tempo de aproximação — ressalta ela.
Eles decidiram adotar em 2018 e, em junho de 2021, se tornaram aptos. Com a nomeação da juíza Carolinne Vahia Concy, designada para o Juizado da Infância e Juventude (JIJ) neste mês, a esperança deles se renova.
— Se a nova juíza conseguir fazer andar mais rápido os processos será perfeito. As crianças e adolescentes precisam de um lar, de uma família porque quando são acolhidos ou ficam nas casas lares sabemos que eles recebem amor, carinho e suporte. Mas, também, sabemos que é um espaço coletivo. E quem atua nesses espaços, por mais que queira, não consegue dar toda a atenção que eles precisam — afirma a empresária.
Desde que deram início ao processo, eles perderam dois bebês. O primeiro, quando ela já estava no sétimo mês de gestação, e o segundo em julho, quando ela estava com cerca de um mês.
Ter optado pela adoção é uma decisão que fortalece e ampara o casal:
— Saber que decidimos que vamos ser pais por adoção nos conforta um pouquinho. A gente sabe que, em um momento ou outro, vamos ter o nosso filho em casa. Tivemos esses dois filhos que não puderam vir, mas em algum momento vamos ter nossos filhos com a gente e no colo.
Para conter a ansiedade, Idiane consulta o Cadastro Nacional de Adoção uma vez por mês.
— A espera é complicada, é como uma gestação de anos. Levamos uma foto junto com os documentos e ficamos imaginando: será que tem alguma criança olhando a nossa foto? Será que vão gostar da gente? Ficamos esperando a ligação. Então, atendemos todas as ligações no celular, até de telemarketing — conta ela.
Perfil de adoção também atrasa processos
Até quinta-feira passada (21), 225 crianças e adolescentes estavam em situação de acolhimento institucional, sendo 90 em abrigos e 135 em casas-lares em Caxias do Sul. Destas, 49 têm decisão judicial de colocação em uma família substituta, o que pode ou não ocorrer. A juíza Carolinne Vahia Concy explica que tem dividido o tempo para conseguir acompanhar todas as demandas do juizado. Entres elas, as visitas aos abrigos. Ela também tem focado nos processos de adoção:
— Essa semana, nos intervalos das audiências, estou focando em identificar o gargalo dos processos de adoção e já estou tomando medidas para o devido andamento e priorização. Estamos trabalhando para fazer um plano de ação para agilizar os processos.
Hoje, segundo a magistrada, não há bebês para adoção:
— Na fila da adoção em Caxias estão hoje adolescentes ou grupos de irmãos, que devem ser, preferencialmente, colocados na mesma família, salvo alguma excepcionalidade, conforme previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Sobre os cerca de 250 adotantes na fila para adotar, a juíza frisa que a grande maioria só deseja adotar bebês.
— Se os 250 ampliassem o perfil, talvez pudéssemos fazer a adoção de todas as crianças e adolescentes.
Promotora defende que JIJ seja dividido
É o Ministério Público (MP) quem atua como guardião dos direitos das crianças e adolescentes com prioridade. Entre as ações está o rigor para que a lista de espera do Cadastro Nacional de Adoção seja respeitado. A promotora de Infância e Juventude, Simone Martini, ressalta que é difícil ter casos de entrega voluntária de bebês para adoção em Caxias, mas, às vezes, acontece.
— Geralmente, as mães já indicam na gestação para as unidades básicas de saúde (UBSs) ou mesmo ligam para o Fórum para pedir informações sobre o processo. Mas, muitas, quando chega na hora do parto, desistem — ressalta.
A promotora acredita que com a designação de uma magistrada exclusiva, os processos do JIJ devam ter mais celeridade. Ela explica que os prazos processuais precisam ser observados, o que não muda se o juiz é exclusivo ou não. Contudo, aponta que com a exclusividade voltada a uma vara judicial, a magistrada conseguirá atender mais demandas. Mesmo assim, ela defende que o ideal para a cidade seria a divisão do JIJ em dois. A ideia é que, além de dois juízes focados no andamento dos processos, mais uma equipe seja designada para o atendimento.
— O ideal seria um juizado para os processos que tratam de atos infracionais e outro para os processos cíveis, diante do número e da complexidade dos casos, já que estamos na segunda maior cidade do Estado. Dobraria igualmente a assessoria dos magistrados e a assessoria técnica, que conta apenas com duas assistentes sociais e uma psicóloga, que fazem o impossível para dar conta da imensa demanda, que sempre é urgente.
Instituto Filhos defende mais preparo de adotantes para evitar ainda mais traumas
O Instituto Filhos, de Caxias do Sul, desenvolve atividades de orientação e estímulo ao processo da adoção, além de promover debates e encontros de pais adotivos e interessados em adotar. A entidade oferece, inclusive, um curso obrigatório para quem quer adotar e a capacitação dos pais pretendentes à adoção, que é uma das exigências desde 2010, com a nova lei. Entre as atividades do instituto também está a palestra Adoção em Debate.
O presidente do Instituto, o engenheiro agrônomo José Otávio Carlomagno, aponta que muitos interessados estão em busca de bebês e, às vezes, buscam por uma criança parecida até fisicamente:
— A adoção de uma criança mais velha ou adolescente é diferente de criar um filho biológico que tu acompanhas desde que nasceu. As crianças e adolescentes que estão em processo de adoção têm uma história. Elas sofreram. Elas têm um histórico de dor. Nada que não possa ser superado com amor e carinho, mas para muitas pessoas isso é um entrave. Elas querem adotar bebês porque acham que vão moldar ele, mas isso é impossível. Você pode dar educação, mas até com o filho biológico as coisas nem sempre são como a gente quer.
Ele é pai de sete filhos, cinco deles adotados quando já eram maiores e os filhos biológicos, já adolescentes. Carlomagno defende que os interessados se preparam cada vez mais para que ocorram devoluções de crianças e adolescentes, o que aumenta ainda mais os traumas que eles sofrem. Segundo ele, entre 10% e 12% dos adotantes devolvem as crianças.
— Quem tem interesse em adotar tem que passar por uma avaliação rigorosa para não dar problemas no futuro. O pessoal acha que pode devolver uma criança, que é tipo fazer um test drive. Não pode ser assim. A adoção não pode ser um ato de impulso. Eles passam por mais uma rejeição. Pensa no reflexo disso na vida dessa criança ou adolescente. A pessoa não está comprando um objeto, que pode ser descartado. A adoção é para sempre, são teus filhos.