Se por um lado as medidas de distanciamento social possibilitaram que o sistema de saúde se organizasse para enfrentar a pandemia causada pelo novo coronavírus, por outro lado a suspensão de cirurgias e exames eletivos (com agendamento e sem caráter emergencial) deixou a maioria dos hospitais de Caxias do Sul em séria dificuldade financeira. Com menos ou praticamente nada de receita e com gastos aumentados pelos preparativos para receber e tratar os pacientes de covid-19, as instituições de saúde tentam alternativas para manter a operação viável.
A intenção das autoridades da área da saúde foi boa: expor o menos possível as pessoas que precisassem recorrer aos hospitais e deixar as estruturas liberadas para os doentes acometidos pelo vírus. O problema é que a produção e ocupação dos hospitais caíram drasticamente, gerando queda abrupta no faturamento e consequente dificuldade para gerenciar os custos da estrutura fixa, inclusive quadro de pessoal, e aquisição de insumos e equipamentos, que tiveram seus preços elevados.
– A conta não fecha, altos custos x redução expressiva de faturamento – declarou a diretora do Hospital do Círculo, Isabel Bertuol.
Nos últimos dois meses em que estiveram com serviços eletivos suspensos, o número de procedimentos nos hospitais da cidade teve redução que variou de 50% a 70%. O restante representa os atendimentos de urgência e emergência que continuaram sendo realizados. Com exceção do Hospital Geral, que atende 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e tem como principal fonte pagadora os governos federal, estadual e municipal, além de doações, os demais contam com o atendimento de planos de saúde e particulares para manterem a operação. Entre aqueles que atendem parte SUS e parte conveniados, o valor recebido do SUS não é expressivo e muito menos suficiente para garantir o funcionamento.
Nos casos em que o hospital atende somente a conveniados e pacientes particulares, a redução nos procedimentos realizados foi praticamente total. De acordo com a diretora executiva do Hospital Virvi Ramos, Cleciane Doncatto Simsen, a instituição deixou de realizar em média 700 dos 760 procedimentos cirúrgicos mensais que fazia, o que equivale a uma queda de 92%. Em receita, isso representa em torno de R$ 1,5 milhão a menos por mês.
– Tudo que era eletivo, fechamos agenda. Certamente vamos fechar deficitários nesses meses. Não estamos tendo receita, temos que manter os profissionais contratados, estamos tendo que gastar muito mais do que gastaríamos normalmente com estoque de insumos. Que bom se conseguimos controlar a curva, mas, por outro lado, temos essa insegurança de equilíbrio financeiro – declarou a gestora.
Separação de alas também fez aumentar custos
É importante lembrar que, em função da pandemia, os hospitais organizaram e mantêm operações paralelas, uma para pacientes com suspeita ou confirmados para covid-19 e outras alas independentes para os demais pacientes que venham a precisar dos serviços hospitalares nesse período.
– Infelizmente, as outras doenças não param de acontecer. As pessoas precisam de hospital por outros motivos. Atendemos com duas operações, com equipes separadas para oferecer muita segurança para esses pacientes – explicou Lara Sales Vieira, superintendente do Hospital Pompéia que atende 60% pelo SUS e 40% por convênios.
Nesse sentido, foi preciso investir e agora é necessário manter essa dupla operação, o que também implica em mais custos.
Cortes, negociação e pedido de ajuda para minimizar impacto
Diante do cenário de dificuldade, os hospitais adotaram medidas para minimizar o impacto financeiro e tentam encontrar soluções. No Hospital Pompéia, a redução drástica de 60% na taxa de ocupação hospitalar e de utilização de serviços (cirurgias e exames) significou um déficit de R$ 2 milhões no final do mês de abril. Segundo a superintendente do hospital, Lara Sales Vieira, a instituição suspendeu contratos de serviços, como a obra de construção de um novo prédio que estava em andamento, reduziu a carga horária, e consequente salário, entre 25% e 50% para 60% dos 1,5 mil colaboradores e demitiu cerca de 30 funcionários da área administrativa. Nenhum servidor da área assistencial foi desligado, conforme a gestora.
– Estamos buscando parcerias público-privadas e, junto ao poder público, uma verba de auxílio ao hospital. Mas, não há nada confirmado, por enquanto. São tentativas. Para conseguirmos sair dessa crise e nos mantermos de pé, vai requerer sim a união das três esferas de governo e o sistema privado, empresários, operadoras, de forma a conseguirmos, com essa união de esforços, manter os hospitais ainda sustentáveis e tocando suas operações, ainda de portas abertas – apontou Lara.
Segundo ela, o hospital está preocupado em manter os compromissos com os fornecedores, mas antes disso, em conseguir quitar a folha de pagamento do mês de maio.
O Hospital do Círculo está renegociando contratos de prestação de serviços e tentando garantir melhores preços de insumos e materiais em geral. De novo, a pandemia acaba atingindo de forma negativa as instituições de saúde no momento em que a alta procura por alguns itens eleva os preços de mercado e consequentemente o custo para os hospitais.
– Ainda não geramos demissões porque o cenário é de preocupação para garantirmos contingente de pessoal para atender a pandemia. Mas esta é uma grande preocupação – admite a diretora do Círculo, Isabel Bertuol.
A diretora executiva do Virvi Ramos, Cleciane Doncatto Simsen, acrescenta que emendas parlamentares que pudessem ajudar os hospitais nesse momento seriam bem-vindas.
HG e Unimed vivem situações diferentes entre si e dos demais
Situação diferente dos demais hospitais da cidade vivem o Hospital Geral (HG) e o Complexo Hospitalar Unimed de Caxias. O HG, segundo a direção, não teve impacto significativo porque atende 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e continuou recebendo o valor do teto dos procedimentos que têm contratualizados em média e alta complexidade. Por decisão do governo federal, todos os hospitais que recebem recurso do SUS estão tendo os pagamentos calculados com base na média dos últimos 12 meses. Isso valerá por 120 dias a contar de março.
– Isso faz com que o faturamento do hospital fique praticamente estável, mesmo sem produzir. O Ministério (da Saúde) dá fôlego ao hospital para poder suportar aumentos de material e medicamentos, que ocorreram de maneira significativa – explicou o diretor do HG, Sandro Junqueira.
Porém, segundo a direção, como o valor que é repassado pelo SUS cobre somente 60% do custo do hospital, a instituição fecha anualmente com déficit milionário. Em 2019, foram R$ 8 milhões.
Já o Hospital Unimed, mesmo tendo registrado diminuição de 50% no número de procedimentos, como é de propriedade de uma operadora de planos de saúde, isso não significou prejuízo, diferentemente do que ocorre em instituições hospitalares que não são administradas por uma empresa dessa natureza.
– É sabido que os procedimentos, uma hora ou outra, mesmo sendo eletivos, terão de ser feitos. E, por isso, já prevemos um aumento considerável desse tipo de atendimento a partir do momento em que a situação da saúde se normalizar – disse, por meio de nota à reportagem, o superintendente financeiro, Fábio Perini.
– A operadora está cumprindo uma série de exigências da Agência Nacional de Saúde Suplementar, dando conta de grandes investimentos necessários neste momento. Estamos tendo necessidades diferentes das usuais, específicas ao enfrentamento da epidemia, o que exige um fôlego extra da empresa – complementou Dilma Tessari, diretora-superintendente da cooperativa.
Estado liberou retorno das eletivas com restrições
Com a publicação da portaria 274 da Secretaria Estadual de Saúde, no dia 23 de abril, alguns procedimentos eletivos voltaram a ser feitos por alguns hospitais. Estão autorizados, com restrições, o funcionamento de serviços em hospitais, clínicas, consultórios, serviço de diagnóstico por imagens, serviços de ótica, laboratórios óticos e serviços de assistência e prótese odontológica. Também estão autorizadas as consultas a domicílio por parte de médicos, veterinários, fisioterapeutas e outros profissionais da área da saúde. Não aplicam, neste caso, as cirurgias bariátricas e estéticas.
O atendimento dos pacientes deve ser individualizado e entre os cuidados sanitários para evitar a disseminação e contágio pelo novo coronavírus estão assegurar distância de dois metros entre as pessoas em salas de espera, disponibilizar álcool em gel 70%, manter ambientes ventilados, oferecer a todos os funcionários máscaras e demais equipamentos de proteção individual (EPIs), entre outros.
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, a autorização do funcionamento de procedimentos eletivos está condicionada ao monitoramento das taxas de ocupação dos leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) no Estado, ao aumento de casos suspeitos ou confirmados em leitos de UTI e às normas estabelecidas no Modelo de Distanciamento Controlado.
A situação em cada hospital
Hospital do Círculo
:: Impacto: Teve redução de cerca de mil cirurgias e 10 mil exames de imagem por mês, o que representa 70% de redução dos atendimentos. Os outros 30% são urgências e emergências que continuaram sendo atendidas.
:: Medidas: Renegociação de contratos de prestação serviços e na área de suprimentos (insumos e materiais). Não teve demissões, mas é uma preocupação.
Hospital Geral
:: Impacto: Não teve impacto significativo porque atende 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e continuou recebendo o valor do teto do que havia contratualizado em média e alta complexidade. Como os demais, registrou aumento nos gastos com insumos e materiais.
:: Medidas: Redução de custos e renegociação com fornecedores. Não adotaram redução de carga horária nem efetivaram, até o momento, demissões.
Hospital Pompéia
:: Impacto: Teve redução de 60% na taxa de ocupação hospitalar e de utilização de serviços (cirurgias e exames). Isso significou queda de receita que chegou a um déficit de R$ 2 milhões no último mês (abril).
:: Medidas: Suspensão de contratos de serviços (obra de construção de novo prédio), redução de carga horária e salário (entre 25% e 50%) chegando a 60% dos colaboradores, demissões de cerca de 30 funcionários da área administrativa (nenhum da assistência).
Hospital Saúde
:: Impacto: Redução de 50% na ocupação dos leitos de internação e 70% nos procedimentos cirúrgicos. Previsão de queda em torno de 40% sobre a receita.
:: Medidas: Renegociação com fornecedores, operadoras (planos de saúde), parceiros e colaboradores.
Hospital Unimed
:: Impacto: Diminuição de 50% no número total de procedimentos. Urgências seguem sendo atendidas. Precisou investir mais em insumos e equipamentos.
:: Medidas: Redução de custos em geral, renegociações com fornecedores, adoção de trabalho em home office para funcionários, quando possível, e revisão de quadros, podendo haver redução de carga horária, de salários ou até mesmo suspensão.
Hospital Virvi Ramos
:: Impacto: Deixou de realizar, em média, 700 procedimentos cirúrgicos mensais. Isso representa em torno de R$ 1,5 milhão de receita a menos por mês. Aumento de custos para aquisição de EPIs e medicamentos e de pessoal para repor servidores que tenham sido afastados por suspeita de covid-19.
:: Medidas: Negociação com operadoras de saúde, antecipação de férias, ajuste e flexibilização de banco de horas em acordo com sindicato da categoria dos profissionais, cancelamento de estagiários. Não teve demissões ainda.