Quando os empregos começavam a desaparecer pelo país em 2015, Ivone Aver procurava por uma colocação em Caxias do Sul. Conseguiu uma vaga de auxiliar de limpeza na Powermig, no bairro Santa Catarina. Nos anos seguintes, a mulher viu a recessão eliminar os postos e os salários de muitos trabalhadores em diversas empresas, mas ela manteve-se firme no empreendimento dirigido por Juarez Fochesato. A vida relativamente segura proporcionada pela carteira assinada não tirou de Ivone a capacidade de se colocar no lugar de pais e mães desempregados.
— Desde que comecei a trabalhar durante a crise, Deus colocou no meu coração que preciso agradecer, refletir — revela a mulher.
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As preces de Ivone são de agradecimento, mas vão além da meditação. Todas as manhãs, ela e colegas de diversos setores reúnem-se entre o maquinário do pavilhão industrial para rezar. Na manhã da última segunda-feira, foi a trabalhadora quem puxou a frase para proteção e união da equipe. Em seguida, emendou um vigoroso Pai-Nosso, afinal, o trabalho é complemento da vida e não precisa ser sofrimento.
Essa humanização tem sido liderada por Fochesato. Para ele, é impossível uma pessoa ter uma postura na empresa e outra totalmente diferente em casa. Um funcionário ou empreendedor ético e estruturado espiritualmente vai fazer com que uma empresa seja correta, leve e plena. Para explicar o que é abstrato e subjetivo, cita o filósofo chinês Confúcio
— Não faça para o outro que você gostaria que não fizesse para você. A espiritualidade vem um pouco para o lado religioso dentro da empresa. Não é uma ação passiva, de não fazer para outros, e sim ativa, de fazer para outro tudo aquilo que gostaria que fizessem para você — contextualiza o diretor.
Fochesato admite que a atitude afeta a maneira como os negócios são tratados e os propósitos da empresa e seus colaboradores.
— Muitas vezes o cliente questiona um negócio, até sem razão, mas a gente faz explanação e justifica para a satisfação de ambos. Acabamos abrindo mão de algumas coisas que não seriam de nossa responsabilidade, mas para que seja de comum acordo e satisfação. É claro que isso isso impacta financeiramente, mas no fim do dia temos paz de espírito — diz o empresário.
O aperto de mão parece uma banalidade, mas a maioria dos 60 funcionários faz questão do gesto nos corredores da Powermig para quebrar a formalidade e a frieza.
— A gente vê todo o dia: não precisa pedir ajudar, pois os colegas se oferecem para ajudar. A oração só ajuda a fortalecer o eu e criar esse ciclo de família — conclui Anderson Clayton dos Santos, gerente industrial e de engenharia.
A vida além das metas
As metas deixaram de ser o principal objetivo para um grupo de bancários da Serra, entre eles, Leandro Moraes Pinheiro, 38 anos, casado e pai de dois filhos. Soa como estratégia de marketing, mas é uma redescoberta de valores que vem rendendo negócios e satisfação na Sicredi Serrana, que abrange 23 cidades na Serra, entre elas, Bento Gonçalves, Carlos Barbosa e Garibaldi.
Após a implantação do modelo de gestão por propósito, em 2015, a rede deixou de ter uma rotina focada abertamente em metas. Para isso, a equipe precisou compreender que o modelo de trabalho, ao invés de ser um objetivo, era um fator limitante, pois tão logo era atingido, o grupo deixava de produzir. Os resultados financeiros eram bons, mas os colaboradores chegavam ao fim do mês desgastados, mais preocupados em .
— Primeiro foi um trabalho interno entre colaboradores, adequando perfil a função, exercendo diálogo, estimulando iniciativas, dando autonomia, enfim, buscando uma equipe madura e com responsabilidade. Somente então, passamos a ser uma equipe espiritualizada — lembra Pinheiro, gerente de negócios para pessoa física e funcionário da Sicredi desde 2007.
Pinheiro conta que ao estimular a equipe a valorizar as necessidades do associado, foi possível perceber uma melhora significativa no clima da empresa. Com um ambiente interno mais leve, o associado deixou de ser visto apenas como um número.
— Como nosso foco passou a ser o associado, deixamos de competir internamente, não houve mais disputa para vender. Passamos a buscar um melhor atendimento, melhorar processos, estimular a participação, a liberdade de sugerir — conta o gerente.
Pinheiro sabe também da responsabilidade social de gerar resultados para os cooperados. Para manter a saúde financeira, o banco aposta no modelo Círculo Virtuoso. A premissa é de que tudo começa pelo associado, que a partir do relacionamento, faz negócios, que por sua vez geram resultados, que após são revertidos em compromisso com a comunidade. Os colaboradores da cooperativa ligam uma etapa à outra, agindo como condutores do processo. A Sicredi Serrana tem mais de 400 colaboradores e ultrapassou a marca de 105 mil associados, sendo considerada diversas como uma das melhores empresas para se trabalhar.