O projeto que altera a Lei Maria da Penha e possibilita aos delegados conceder medidas protetivas de emergência às vitimas de violência doméstica vem dividindo opiniões de autoridades policiais e de representantes dos direitos das mulheres. De um lado o discurso aponta para a celeridade no atendimento aos pedidos de proteção, enquanto de outro se fala do enfraquecimento da lei.
Em Caxias do Sul, onde mais de 1,8 mil casos de violência doméstica passaram pela Coordenadoria da Mulher este ano, a aprovação do texto, na perspectiva de militâncias feministas, pode ampliar a situação de vulnerabilidade das vítimas, uma vez que a cidade sofre com a falta de efetivos policiais e de estrutura nas delegacias.
Segundo Mônica Montanari, advogada e representante do Movimento Marcha Mundial das Mulheres, o principal problema está no repasse das funções entre delegado e juiz, que, conforme denúncia do grupo, pode trazer prejuízos à aplicação da medida e tornar a lei inconstitucional.
— O que nós não aprovamos é justamente o fato de os delegados poderem deferir medida protetiva, que deve permanecer como uma prerrogativa do Judiciário — defende Mônica.
No texto do PLC 7/2016, a concessão de medidas protetivas pelo delegado será admitida quando houver riscos reais ou iminentes à vida e à integridade física e psicológica das vítimas. Ainda assim, a autoridade policial precisa comunicar a decisão ao juiz e informar o Ministério Público, dentro de 24 horas, para definir se será mantida ou não a decisão.
Porém, como lembra o promotor Luiz Carlos Prá, que atua no combate à violência doméstica, as medidas que o delegado conceder são as cautelares (preventivas), não estando apto a retirar o cidadão de casa, a não ser que tenha uma ordem judicial para isso.
— Toda a situação será judicializada. Particularmente, entendo que em relação à vitima, a alteração garante uma proteção mínima, que é a de intimar o agressor a manter distância — afirma Prá.
Para a delegada Caren Adriana do Nascimento, coordenadora das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM) no Rio Grande do Sul, caso seja sancionada pela presidência, a lei ganhará em agilidade:
— Entendemos ser positiva, pois vai acelerar o processo em prol da mulher. Por exemplo, o delegado ou a delegada vai poder decretar a proibição de contato do suposto agressor com a vítima e intimá-lo dessa decisão tão logo após o registro.
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O projeto prevê ainda a inclusão de dois artigos na Lei Maria da Penha, que podem resguardar a integridade da vítima e garantir o atendimento, nas delegacias, por profissionais do sexo feminino. De acordo com Mônica, esses são aspectos que a Marcha entende como positivos.
— Muitas vezes, é constrangedor para a vítima relatar o que aconteceu diante de um homem. Elas se sentem julgadas, e as abordagens nas delegacias são um tanto invasivas. Falta, de certa forma, sensibilidade com essas mulheres. Assim como faltam políticas públicas que as acolham — critica a psicóloga Tatiana Baggio, que também integra a militância feminina.
Segundo revelam dados da DEAM de Caxias, de fevereiro até agora, quando a entidade passou a atender somente casos relacionados à violência doméstica, foram registradas cerca de 250 ocorrências mensais. O número é preocupante e atenta para a ênfase em ações preventivas e que garantam segurança às mulheres.
Embora tenha sido aprovada pelo Senado, está nas mãos do presidente Michel Temes a decisão sobre o PLC 7/2016, de autoria do deputado Sergio Vidigal (PDT-ES).
MEDIDAS PROTETIVAS
:: As principais medidas são o afastamento do agressor do local onde convive com a vítima, a suspensão de porte de arma e a delimitação de um mínimo de distância que ele precisa manter em relação à vítima.
Em Caxias, patrulha acompanha 684 vítimas
Em atividade desde 2014, a Patrulha Maria da Penha já visitou 4,5 mil vítimas de violência doméstica com medidas protetivas de urgência em Caxias. A equipe é formada por três policiais (duas mulheres e um homem) e coordenada pela comandante da 2ª Companhia da Brigada Militar, tenente Mileide Cândido. Diariamente, o grupo fiscaliza se as mais de 600 vítimas cadastradas ao sistema da patrulha estão seguras ou foram novamente alvo de violência.
De acordo com a tenente Mileide, é de responsabilidade da patrulha fiscalizar as medidas, ficando a cargo do policiamento ostensivo da Brigada Militar o atendimento das ocorrências.
Apesar da equipe enxuta na comparação com o volume de casos, a comandante acredita que o serviço não está comprometido e garante que tem dado conta das solicitações no município.
— Já realizamos 30 prisões e temos 684 vítimas cadastradas no sistema. Nossa ação também é bastante articulada às autoridades que integram a rede de proteção às mulheres em Caxias — esclarece.
Ainda segundo a autoridade, até hoje nenhuma das vítimas acompanhadas pela equipe de patrulhamento foi vítima de feminicídio.
— Todas as mulheres que foram mortas não eram acompanhadas pela Patrulha — pontua.
Em Caxias, conforme dados do Contador da Violência do Pioneiro, houve cinco casos de feminicídio entre janeiro e junho deste ano.
Redes de apoio estão constituídas
Em Caxias do Sul, é possível buscar orientação psicológica, jurídica e social junto à rede de apoio à mulher, que articula, por exemplo, serviços da Coordenadoria da Mulher, do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, da Defensoria Pública e do Ministério Público, além de locais de acolhimento e de auxílio às vítimas, como a Casa de Apoio Viva Rachel.
Conforme a titular da Coordenadoria da Mulher, Débora Adriana Schmidt, não é necessário ter boletim de ocorrência para buscar ajuda.
— Nós consideramos mulheres em qualquer situação e que tenham seus direitos físico, psicológico, moral ou sexual violados — afirma Débora.
A coordenadoria atende das 8h às 17h, em sala do 3º piso da prefeitura.
Onde denunciar
:: É possível buscar ajuda e fazer denúncias pelo telefone 190 da Brigada Militar ou pelo número da Patrulha Maria da Penha 98423.2154.