Se o diagnóstico do HIV é difícil de ser digerido mesmo após três décadas de epidemia no país, imagine encarar a notícia na década de 1980. Ou mais: ser a primeira pessoa identificada com o vírus em Caxias do Sul. A artista plástica Laura*, de 47 anos, ainda lembra o que escutou da ginecologista que a consultava aos 18 anos.
– Ela me disse: 'eu não sei como te dizer isso, porque eu não sei do que estou falando. Não sei o que é isso'. E logo fui encaminhada para a Santa Casa de Porto Alegre – recorda.
Leia mais
Mais de cem mil pessoas no Brasil vivem com HIV e não sabem, diz Ministério da Saúde
Você já parou para pensar nos riscos que corre de pegar Aids?
No RS, o índice de Aids é o dobro do restante do país
Laura diz ter sido a primeira identificada com HIV em território caxiense. Foi em 1987. A descoberta aconteceu após exames de rotina, colhidos dias antes de iniciar um projeto audacioso: queria ter o primeiro filho, com produção independente. Foi advertida pela ginecologista sobre a doença que dificultaria o sonho de ser mãe, ao menos naquele momento. Ainda que Laura não saiba precisar com exatidão, imagina que tenha contraído o vírus após uso de drogas injetáveis, reaproveitando agulhas.
Do consultório da ginecologista à viagem na capital, tomou uma decisão. Ao visitar a ala de tratamento da Santa Casa, decidiu que não queria se assemelhar aos pacientes em estágio terminal que encontrou por lá. No lugar da medicação sugerida pelos médicos, ela optou por tratamento alternativo focado na imunoterapia. Por anos, pingava uma espécie de ácido na pele, que provocava uma ferida. Este machucado estimulava o organismo de defesa e, segundo Laura, foi sua salvação por anos. Até que foi proibido pela Anvisa.
– Eu fiquei super bem, durante o tratamento e mesmo depois. Ele mexia diretamente na minha imunidade, e trazia só coisas boas. Nunca tomei um coquetel e não vou me submeter a tratamento médico nenhum. Só acredito em coisas naturais – defende.
O posicionamento de Laura é tão forte que ela já orientou a família caso adoeça. Eles estão proibidos de autorizar o uso de medicação, porque "quer morrer tranquila". Essa mesma serenidade tenta passar aos amigos que convive, já que a doença nunca foi segredo. Optou por não ter filho para não depender de remédios.
O preconceito que Laura enfrenta agora é semelhante ao vivido logo na descoberta, quando precisava lavar roupa em balde separado ou comer em prato diferente dos demais. O que mudou é a forma bem-humorada de lidar com a situação. A unica crítica da artista plástica é direcionada a geração de jovens que infla as estatísticas e segue contraindo o vírus, mesmo em meio à tanta informação. Por isso, Laura deixa um recado:
– A grande contribuição deste período é a camisinha, que está aí e não é usada. Usem camisinha, pessoal, aproveite este avanço da tecnologia. Não falte cuidado contigo mesmo, só você é responsável pelo que acontece na sua vida.
São raros os casos de quem consegue viver normalmente sem realizar tratamento, conforme a médica infectologista Viviane Raquel Buffon. Ela destaca que há pessoas portadoras do HIV, mas que não desenvolveram a doença, ou seja, não apresentam sintomas. No entanto, transmitem o vírus.
– A orientação é que se faça o tratamento, mas, claro, é uma escolha do paciente.