Adoramos uma fila.
Também adoramos um carnê.
Dizem que nós, brasileiros, entramos numa fila só para amargar a espera para depois poder ruminar um sem fim de reclamações e xingar, xingar, xingar.
O carnê.
Não sobrevivemos sem pelo menos um carnezinho para poder reclamar das contas, das dificuldades da vida, da carestia (a carestia também já foi item básico de sobrevivência).
Ao contrário da fila e da carestia, que não produzem benefício algum, o carnê pelo menos proporciona a sensação de que somos os felizes proprietários de algum bem material - às vezes o tal bem sequer nos é útil, mas justifica plenamente a manutenção do carnê.
A fila.
O Cartório Eleitoral acaba de informar que não precisamos formar fila desde cedo para fazer recadastramento eleitoral. Dá tranquilamente para chegar, reconhecer o terreno, observar a paisagem e, sem delongas diante do importante acontecimento político-eleitoral, ser atendido em coisa de 40, 50 minutos.
Dá para acreditar?
A informação, por certo, equivale a um balde de água gelada lançada na cabeça de quem estava se concentrando para encarar três, quatro horas de espera até o Cartório abrir, ao meio-dia.
Assim não tem graça, as autoridades estão acabando com uma das mais consagradas instituições nacionais. Sem fila não tem a menor graça.
É preciso reconhecer que há um enorme esforço para extinguir também o carnê, outra instituição nacional. Os cartões de crédito estão matando o carnê. Sem carnê também não tem a menor graça. Bom mesmo era quando empilhávamos os carnês e íamos ao centro pagá-los. Naturalmente, sempre havia uma filinha no caixa de cada loja em que tínhamos de quitar os compromissos. Era o suprassumo: carnês e filas.
Deposito todas esperanças em 2016. Oro para que o sistema biométrico dê pau na eleição e nós mofemos nas filas para votar. Seria minha vingança contra os desalmados que nos tiram o sentido da vida achando que nos proporcionam benefícios.
Sim, restam os bancos, onde a espera é limitada por lei, mas essa é outra crônica.
Opinião
Gilberto Blume: as autoridades estão empenhadas em acabar com o sentido da vida. Cadê as filas, os carnês, a carestia?
O Cartório Eleitoral acaba de informar que não precisamos formar fila desde cedo para fazer recadastramento eleitoral
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