A partir desta sexta-feira e até o dia 15 de agosto, o Pioneiro abre espaço para os jovens de Caxias do Sul debaterem propostas que possam servir de parâmetro para mudanças na educação, saúde, segurança e cultura, entre outros. É pauta inspirada no tema da Conferência Nacional da Juventude sobre as várias formas de mudar o país.
Você pode participar deixando sua opinião na página do Pioneiro no Facebook, indicando o que falta para melhorar a vida dos jovens caxienses. Algumas sugestões serão usadas em reportagem no próximo final de semana.
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A série é produzida em colaboração com rapazes e moças de diferentes segmentos da cidade. Também homenageia a Semana Municipal da Juventude, com abertura oficial nesta segunda-feira, no auditório FSG. O texto abaixo é de autoria da estudante Fernanda de Souza, aluna da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Angelina Sassi Comandulli, na zona norte de Caxias.
Apresentação
Meu nome é Fernanda, moro no Vila Ipê. Tenho 16 anos e meu sonho é ser médica, e para isso tenho que estudar muito. Se eu não conseguir realizar os estudos ou pagar uma faculdade no futuro, quero ser mecânica de moto, ter meu negócio próprio. Moro com a minha avó desde pequena, com meus irmãos Jessica, Marlon, Abner e minha sobrinha Marina. Meu pai morreu quando eu era pequena, e não moro com minha mãe.
Trabalho x estudo
Nunca levei os estudos a sério, nem me importava. Parei de estudar em 2013, na sétima série, porque fui trabalhar pra ajudar minha família. Fiquei um ano sem estudar. Achava que não tinha futuro na escola. Para ter um emprego, um serviço bom eu senti que precisava a voltar a estudar. Pensei de novo em parar porque é muito puxado trabalhar e ir pra escola ao mesmo tempo. Mas meu irmão sempre me disse que nada na vida é fácil, por isso me dedico ao meu serviço, batalho para terminar os estudos, sei que não é fácil, mas tudo na vida se conquista.
Sem estímulo
Não quero desistir, quero crescer. Só que não me sinto estimulada. Acho que é por causa das matérias, às vezes é um pouco difícil de entender, nem todos os professores explicam bem, às vezes não entendo muito do que está ali no caderno, no livro. Tenho dificuldade com o português. Não sou um exemplo de aluna, nem quero ser. Só quero superar minhas dificuldades no colégio e aprender para conquistar meus objetivos.
Passatempo
Ganho algum dinheiro com o trabalho, não é muito. Consigo comprar algumas coisas que preciso e ajudo aqui em casa. Comprei meu celular assim, só que ele não está funcionando direito, meio que estragou. Trabalho o dia todo, se bem que agora o serviço diminuiu com a crise e tá mais devagar. Eu estudo à noite.
Aqui no bairro tenho alguns amigos. Nas horas vagas gosto de ficar com a minha sobrinha, de brincar com ela. Também saio com minha prima, vou na minha amiga Sabrina. Também gosto de ir na igreja, onde tem o grupo de jovens. Sou monitora de uma turma, e já fomos acampar algumas vezes, mas não sou de ir em festa.
Gosto muito de ler. Tenho o livro A Culpa é das Estrelas. Achei legal porque que fala do câncer, da superação da guria, ela acha que vai morrer...
Vergonha
Meus colegas também dizem que não querem mais estudar, acham que não vai adiantar. Quem trabalha muito de dia não tem vontade de ir estudar de noite, mas tem que estudar, pra terminar e ter futuro. Tens uns que não têm material para levar na escola. Outros ficam com vergonha porque os colegas do lado têm, daí não ficam com vontade de ir pro colégio.
Estou fazendo ainda o fundamental. No ano que vem quero começar o primeiro ano (do ensino médio), e tentar a faculdade mais pra frente, ter um emprego melhor. Não vou desistir.
Fernanda de Souza, aluna da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Angelina Sassi Comandulli, na zona norte de Caxias.
Da Redação
- O ensino médio é o principal gargalo do sistema educacional no país. A estudante Fernanda de Souza, 16 anos, é exemplo das barreiras enfrentadas por centenas de jovens que se preparam para ingressar ou se manter nessa etapa escolar. Ela desistiu na sétima série, mas retornou aos estudos por meio da EJA.
- Até o dia 27 de julho, escolas de Caxias do Sul comunicaram a desistência e afastamento de 2,2 mil alunos do fundamental e do médio, segundo o Conselho Tutelar, Caxias tem pouco mais de 60 mil estudantes matriculados na rede pública, sendo que um terço está na rede estadual. Os motivos para o abandono são variados: trabalho, dificuldade de adaptação aos métodos de ensino ou falta de estímulo na família. Parte já pode ter retornado para a sala de aula no início do segundo semestre.
- Dos 2,2 mil alunos que estavam sem frequência escolar neste ano, 470 haviam sido matriculados no ensino médio, segundo levantamento recente da 4 Coordenadoria Regional da Educação.
- Outra explicação para a desistência é o próprio método do ensino médio. Além de não preparar o estudante para o mercado de trabalho ou ensino superior, os jovens não se sentem atraídos pela grade curricular, considerada arcaica e distante da realidade social, econômica e cultural da maioria deles. Muitos preferem seguir pela EJA, que tem uma dinâmica diferente.
- A reformulação do ensino médio é uma das demandas dos jovens de Caxias e do país, e também foi apontada na Conferência Municipal da Juventude, semana passada. A mudança pode se dar a partir da aprovação do projeto de lei 6.480/2013, que institui a jornada em tempo integral e altera os currículos das áreas de conhecimento dos alunos. O projeto, porém, é criticado por alguns setores porque favoreceria mais a preparação para o trabalho do que para o conhecimento.
Para mudar o país
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Adriano Duarte
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