Um dia é frio, outro dia é quente. Um dia chove; outro dia chove mais; no outro, um sol tímido aparece, mas, em seguida, esfria e chove de novo. E por causa disso, você se vê envolvido naquela coreografia tão conhecida por aqueles intrépidos seres que teimam em seguir habitando a Serra Gaúcha: bota casaco, tira casaco; estende roupa para secar, recolhe roupa ainda úmida do varal ou das cerquinhas porque começa a chover de novo e o sol, aquele sacana, deu as caras ainda há pouco mas já se esconde atrás de outra nuvem para ir fazer não sei o que.
No início da semana passada, naquela segunda-feira de temporal noturno, fui pego pela ventania, pela chuva e pelo granizo em pleno centro da cidade, caminhando sem guarda-chuva e trajando uma capa plástica que serviu apenas para me proporcionar a falsa impressão de que eu poderia seguir caminhando até o carro, estacionado dez quadras longe, sem maiores problemas. Molhei-me. Todo. Do mais alto fio de cabelo existente na cabeça até a sola do pé. Molhei o banco do carro. Molhei a roupa, o sapato, as meias, a calça, o cinto, tudo. Entrei no veículo com o nariz transformado em calha e vertendo a água que as áreas superiores de meu corpo acumulavam. Nessas condições extremas, não houve como tentar extrair poesia e lirismo de um romântico e poético banho de chuva, porque não havia nada de romântico e muito menos de poético naquele vendaval.
A fatura da aventura involuntária apresentou-se na passagem do último sábado para o domingo, na forma de dor de garganta e febre. A noite foi terrível, permeada por insônia, queixo batendo, suores frios provocados pela febre e o pior de tudo: os delírios. Delirei como há tempos não delirava. Passei a madrugada toda dando discursos inflamados mentais a respeito de tudo, elencando temas para futuras crônicas, delineando parágrafos geniais inteirinhos, compondo poemas, imaginando personagens, formatando opiniões surpreendentes, encontrando soluções para os males do mundo. Pena que, ao acordar, medicar-me e botar-me agora devidamente curado, não me recordo de mais nada. A tempestade climática e o vendaval da mente que ela provocou só serviram para duas coisas, reais e práticas: comprar um guarda-chuva e aprender que nem tudo serve para esculpir metáforas.
Opinião
Marcos Kirst: não havia nada de romântico e muito menos de poético naquele vendaval
Entrei no veículo com o nariz transformado em calha e vertendo a água que as áreas superiores de meu corpo acumulavam
GZH faz parte do The Trust Project
- Mais sobre: