Gilberto Blume: sou um incorrigível apostador no humano, creio que a crise pode depurar a massa

O governador Sartori anda repetindo que integrantes do próprio governo ainda não compreenderam a extensão da crise financeira. Sartori deve ter lá suas razões para aplicar carraspanas públicas nos próprios comandados. Tomara ele obtenha sucesso na empreitada e consiga convencer os servidores de que a coisa está preta. Não surpreende que alguns servidores façam pouco caso da crise, pois uma fatia de tamanho indefinido jamais considera a possibilidade de naufrágio: se o deles está garantido, o restante que se exploda.

E o restante, no caso, somos nós.

Mesmo sob risco de explosão, cá fora também tem quem ainda não compreendeu que a coisa está preta. O atendimento oferecido em alguns estabelecimentos não condiz com tempos bicudos. Alguns vendedores se comportam como se houvesse emprego em todas as esquinas. O assunto é batido, sei. Mas, como sou um incorrigível apostador no humano, creio que a crise pode depurar a massa: permanecerá atuando quem de fato é bom (tese aplicável a todos os setores, inclusive ao setor público).

Exemplo trivial: me interessei por dois calçados expostos numa vitrine. Entrei na loja, pedi para vê-los de perto. A vendedora disse que não poderia mostrá-los ("regras da casa"). Eu deveria dirigir-me a outro setor, encontrar outra vendedora e procurar os calçados nas prateleiras. Achei estranho, mas obedeci as regras da casa. Ao chegar ao setor, porém, deparei com dezenas de modelos. Dentre tantos, não localizei os calçados que namorara na vitrine. A vendedora tentou ajudar, perguntou cores, detalhes, materiais. Fiquei sem resposta. Se a primeira vendedora tivesse permitido que eu me aproximasse da vitrine, talvez eu estivesse mais familiarizado e pudesse dizer à segunda vendedora exatamente o que procurava.

Fui embora sem comprar nada.

Ao sair, mirei os dois modelos na vitrine e pensei com os meus cadarços: "desse jeito, vocês jamais sairão daqui".