Já mergulhamos suficientemente para concluir, sem exageros e sem injustiças, que o fundo do poço é invisível, ainda longe de divisarmos agora, anestesiados que estamos pela água gelada que nos jogaram por cima depois que experimentamos um momentâneo progresso.
Um homem detido por porte ilegal de arma foge de uma delegacia. Ele estava algemado, esperava que familiares viessem libertá-lo mediante fiança. Ok, pode acontecer até mesmo num país organizado (assim como num filme ficcional). Mais de 24 horas depois, o homem sequer é tido como foragido, ninguém o procura, como se o caso não fosse grave, escandaloso. As autoridades disseram que vão averiguar se houve alguma irregularidade e, aí, talvez abrir uma sindicância, uma investigação administrativa, uma comissão, um, uma.
Vivemos num país atolado até as fuças com sindicâncias, investigações, comissões, irregularidades. Sabemos há tempos que raramente a verdade vem à tona. Também sabemos há tempos que vivemos no paraíso do não dá nada.
Fosse diferente, o homem detido não teria fugido de dentro de uma DP enquanto esperava alguém trazer o dinheiro da fiança. Fosse diferente, as autoridades não tratariam o vergonhoso episódio com desdém.
Ontem foi noticiado que uma lotérica empilha oito ataques de bandidos.
Oito é muito, mesmo que imaginemos que a lotérica não adotou medidas básicas de segurança.
O poço sem fundo em que fomos lançados não comporta apenas insegurança. Infelizmente, a educação básica é ruim e tende a piorar. A saúde idem: o horizonte, o limite do aceitável (ou o fundo do poço) ainda estão fora do alcance de nossa visão.
Enquanto o cidadão mergulha em queda livre, as autoridades graduadas estão ocupadas em explicar falcatruas, defender aliados, atacar inimigos. Nada de propostas, políticas, soluções, exceto aquelas que lhes interessam - como sempre foi, e por isso esse poço é tão profundo.
Posso até parecer demasiado pessimista, mas a médio prazo seguiremos despencando abraçados a todos os itens que têm algum peso na balança da cidadania.
Só orar já é insuficiente.
Opinião
Gilberto Blume: a médio prazo seguiremos despencando abraçados aos itens que nos são caros
Vivemos num país atolado até as fuças com sindicâncias, investigações, comissões, irregularidades
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