Toneladas de material seletivo separadas pela população estão sendo jogadas fora pela própria Codeca. Plástico, papelão, latas e vidro que milhares de caxienses separam em casa são levados ao aterro sanitário Rincão das Flores, no Apanhador, espaço destinado exclusivamente para resíduos orgânicos.
Esse desperdício de matéria-prima expõe brechas de um modelo de coleta inspirado na Europa e que tornou Caxias referência nacional. A autarquia que pertence à prefeitura estaria eliminando o material por conta da mistura. A justificativa é de que parte da população continua colocando lixo orgânico nos contêineres reservados para o seletivo.
Isso obriga a empresa a fazer triagem diária nos recipientes amarelos, encaminhando o que é aproveitável para as cooperativas e empresas privadas de reciclagem. No dia seguinte, outra equipe da Codeca recolheria o que sobrou nos contêineres amarelos e levaria o conteúdo para o aterro.
A manobra, porém, acaba desperdiçando material seletivo acumulado ao longo do dia. Em média, 20 toneladas separadas pela população são enterradas diariamente. Na madrugada do dia 5 de julho, a reportagem acompanhou quatro caminhões descarregando material seletivo na estação de transbordo do aterro sanitário de São Giácomo (hoje desativado).
A estação foi criada exclusivamente para servir como depósito temporário do lixo orgânico e de resíduos rejeitados pelas recicladoras. Os veículos prefixos 276, 293, 512 e 526 recolheram conteúdo de aproximadamente 250 contêineres seletivos da área central.
Cada caminhão levou duas horas para esvaziar entre 60 e 70 recipientes amarelos. Como cada veículo carrega entre 1,5 mil e 2 mil quilos, a carga total naquele turno pode ter chegado a oito toneladas. O destino da carga dos caminhões deveria ser as cooperativas de reciclagem, jamais São Giácomo.
A Codeca nunca divulgou que adotara a solução. Mas é fato que a cadeia de reciclagem não tem capacidade para absorver tudo o que a cidade produz. Há alguns anos, havia pelo menos 12 associações e 30 apoiadores. Esse número caiu pela metade porque algumas cooperativas se uniram e outras fecharam. O volume de resíduos, porém, aumentou. Consequentemente, quanto mais mistura houver, mais demorado será o processo de reciclagem nas cooperativas.
Nos últimos meses, a companhia diz ter implantado um processo de trabalho duplo para facilitar a reciclagem. Uma equipe estaria designada apenas para coletar o reciclável nos contêineres amarelos. O resíduo orgânico seria deixado no recipiente para que uma segunda equipe faça a limpeza no mesmo dia ou 24 horas depois.
Por esse motivo, seria normal funcionários despejarem todo o conteúdo dos recipientes amarelos em caminhões fechados que depois levarão o conteúdo para o aterro orgânico.
- Não temos como levar esse material que sobra para cooperativas porque elas não teriam condições de separar, é muito lixo orgânico. Isso inviabilizaria o serviço e o aproveitamento seria mínimo - explica o gerente do Departamento de Limpeza Urbana, Mauro Cavagnollo.
Foi o que teria acontecido na noite de 5 de julho: quatro cargas inteiras foram lançadas no pavilhão da estação de transbordo. Em seguida, um trator empurrou o material para um canto. Na manhã seguinte, o seletivo seria misturado aos detritos orgânicos e transportado por carretas até o aterro Rincão das Flores.
A mistura seria causada por alguns catadores e pela população. O material dos contêineres amarelos também é parcialmente danificado na coleta, uma vez que é necessário compactar a carga nos caminhões.
Como a cidade produz diariamente 90 toneladas de seletivo, é provável que um quarto dos resíduos colocado em lixeiras e contêineres vira entulho no aterro. No final do mês, 400 ou mais toneladas que poderiam ser recicladas são extraviadas.
Quem perde com isso são os recicladores, a população e, sobretudo, a natureza, que leva séculos para absorver o impacto de plástico, borracha, metal e papel.
Coleta
Quase 20% do material seletivo de contêineres é levado para o aterro sanitário em Caxias do Sul
Codeca diz que medida foi adotada por conta da mistura de lixo orgânico
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