
90 anos de história. De uma paixão que transcende o gramado e retrata um capítulo importante da cidade de Caxias do Sul.
Cinco anos depois da primeira Copa do Mundo, no mês de abril de 1935, era publicado no Jornal "O Momento" o resultado da assembleia para escolha da primeira diretoria do Grêmio Esportivo Flamengo, em Caxias do Sul. O clube foi fundado após a fusão de dois times rivais da região oeste da cidade: o Rio Branco e o Ruy Barbosa.
O primeiro mandatário eleito foi Silvio Toigo Filho. O jogo inaugural da equipe ocorreria somente em 1º de agosto. O "batismo", como foi chamado pelo folhetim da época, ocorreu diante do Universitários. Já o primeiro clássico viria poucos dias depois, em 4 de agosto, contra o Juventude.
— Um clube tradicional, de origem popular, porque um grupo entendeu que um segmento da sociedade estava isolado em relação aos outros, não participava. Então se formou esse clube sem segregação de espécie nenhuma e que vem até hoje mostrando a sua grandeza. O clube é Grená na sua origem, porque o nosso sangue é Grená — contou João Carlos Prataviera, conselheiro do Caxias e filho do ex-presidente João Prataviera.
Entre os principais nomes do começo da era Flamengo está o zagueiro Tronca, bicampeão municipal. Começou no Grená em 1935. Depois de deixar os gramados, exerceu outros cargos dentro do clube, virou empresário e diretor da Cooperativa Vinícola Caxiense.
Nas décadas seguintes vieram outros nomes marcantes, como Nestor Ruggeri, o Alemãozinho, que foi artilheiro do Flamengo e taxista na época, pois o futebol era movido pela paixão e não pelo dinheiro. Na beira do campo, o técnico Saldanha Ribeiro também escreveu seu nome no Flamengo, na conquista do Citadino de 1947.
— Nenhuma satisfação supera a obtida com a conquista do campeonato de 1947, apesar de que vencer o valoroso Juventude é sempre uma grande satisfação — declarou Saldanha à Revista do Esporte, após a vitória por 3 a 2 sobre o rival.

A primeira vez em que o Flamengo enfrentou o Grêmio foi no dia 13 de fevereiro de 1949, no Campo do Gianella, na "Metrópole do Vinho", como chamava o Jornal Pioneiro em 1949. Dois anos depois, a maior goleada sobre o Juventude viria em um Fla-Ju: 5 a 1. Fato que o jornal descreveu: "em atuação com soberba classe, os rubros golcaram o Juventude por 5 a 1".
O CAUDILHO E O FAZ TUDO
E teve estrangeiro vestindo a camisa do do Flamengo. Rodolpho Ghizzoni era uruguaio da cidade de Salto. Como descreve o livro "SER Caxias - 80 anos", de Gustavo Côrtes, o atleta atuava como volante, zagueiro e lateral. Sua estadia no Rio Grande do Sul iniciou pela fronteira, no Fluminense de Santana do Livramento, até chegar a Porto Alegre e integrar o Rolo Compresso, do Inter, de 1948 e 1950. Depois, o histórico grená João Prataviera o trouxe para a Serra. Na sequência, virou técnico do Flamengo em 1958 e 1959.
O Flamengo também teve o seu "faz tudo", dirigente abnegado. José Osmar Weber era conhecido por todos, mas só pelo apelido: Maneca. Foi jogador da base, passou pelos aspirantes, foi massagista, dirigente e ajudou a construir as arquibancadas do lado oposto ao pavilhão do Estádio Baixada Rubra. Transitou por quase todos os títulos do Flamengo, nos citadinos de 47, 48 e 51. Ainda marcou seu nome nos estaduais de 1953 na 2ª Divisão de Profissionais e em 1960 na 2ª Divisão de Acesso, quando retornou à Divisão de Honra do Futebol Gaúcho de forma invicta.
— Em 1953, o Flamengo foi campeão da Primeira Divisão de profissionais. O último jogo foi em Cruz Alta, nós ganhamos do Guarani com 4 a 1 e nos consagramos campeões dessa categoria. E aí a Liga de Porto Alegre nos convidou a participar do Citadino. Foi graças a essa conquista que o Grêmio Esportivo Flamengo foi convidado para, em 1954, estar no campeonato regional do Rio Grande do Sul — lembra João Carlos Prataviera.
A HONRARIA "FITA-AZUL"

E sua trajetória, o Flamengo também realizou uma excursão pela Argentina. Na época, o clube chegou a ser confundido com o outro homônimo, do Rio de Janeiro. Em 1962, ao empatar em 2 a 2 com o Gimnasia y Esgrima, em La Plata, o time encerrou invicto uma sequência de 12 jogos, 36 dias e 5 mil quilômetros de ônibus pela Argentina. O fato foi histórico.
A campanha, com nove vitórias e três empates, 46 gols feitos e 20 sofridos, ganhou a alcunha de "Fita Azul", uma espécie de título simbólico atribuído na época às equipes que retornavam invictas de viagens de 10 ou mais partidas fora do país.

A delegação embarcou no avião da Cruzeiro do Sul, em Porto Alegre, em 9 de abril de 1962, véspera do 27º aniversário do clube. Na Argentina, percorreu 5 mil quilômetros de ônibus, que os jogadores apelidaram de El Condor, passando pelas províncias de Buenos Aires e Mendoza e Bahia Blanca.
Um dos personagens da façanha foi o goleiro Nilson. Ele prestou serviço militar em Santa Maria. Descrito na época como galã, tinha mais de 1m80cm de altura. Foi considerado o melhor goleiro do Estado em 1963.
A FUSÃO ANTES DE VIRAR SER CAXIAS

Os anos de 1970 foram marcados pela instabilidade financeira no país. Assim, muitos clubes se uniram para permanecer em atividade. Em Caxias do Sul, os departamento de futebol de Flamengo e Juventude se juntaram e formaram uma só força, a Associação Caxias do Sul de Futebol (ACF). O símbolo era a engrenagem, mostrando a força do trabalhador da Serra, e as cores preto e branco. Contudo, a fusão durou pouco.
Entre os nomes marcantes da história do Caxias está César Ângelo Bagatini. Foram 134 jogos com a camisa grená, e isso o transformou em um dos goleiros que mais jogou pela equipe da Serra Gaúcha, entre o final da década 1960 e os anos 1970. Bagatini acompanhou de perto a fusão e a transição para a Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias do Sul. Ele entrou em campo pelos três times.

— No final de 1975, dissolveram a Associação, o Juventude aproveitou o tempo para reformar o estádio e o Caxias também. O que pensaram: separando, o Juventude iria voltar ao Campeonato Gaúcho e como ficaria na parte do Flamengo? Quando houve interesse de mesclar os patrimônios, gringo sabe como é que é, cada um puxa para o seu lado. Então pensaram em manter a mesma engrenagem dos empresários de Caxias do Sul e as cores do Grêmio Esportivo Flamengo e criaram a SER Caxias — Bagatini.
A ACF representou o futebol de Caxias do Sul de 1972 a 1975 no Campeonato Gaúcho. Ao todo foram 91 fundadores e, durante os três anos, a ACF teve dois presidentes, cinco treinadores e 60 jogadores, além de 194 partidas disputadas.
A FORÇA DE UMA PAIXÃO

Nos nomes marcantes da história do Caxias está Francisco Stedile, que leva a nomenclatura oficial da casa grená. Ele assumiu a presidência pela primeira vez em 1976, e construiu o estádio em tempo recorde, seis meses, e com capacidade para 30 mil pessoas. Patrono do clube, transformou a majestosa Baixada Rubra em um gigante de concreto.
— Homens como esse dificilmente vão nascer de novo — afirmou o atual presidente do Caxias, Roberto de Vargas.
O mandatário de 2025 tem a sua relação ainda com o Flamengo. Seu pai era torcedor do time e frequentou a casa grená até ela se transformar no Centenário.
— O próprio colégio Cristóvão (de Mendoza), na época, trazia as turmas para aprender o hino do Rio Grande, o hino do Brasil. Então tinha aula de música que vinha para cá aprender. Eu morava perto do estádio, então eu tinha uma convivência quase que diária com o Centenário — Roberto de Vargas.

Nos anos 1990 e 2000, o Caxias evoluiu e viu o próprio futebol crescer muito. O clube apostou na base, foi campeão estadual de juniores em 1993, com o técnico Ademir dos Reis, que 10 anos depois conquistaria novamente a competição. Dois anos antes, foi o primeiro clube do interior do Rio Grande do Sul a disputar uma Copa do Brasil. Após eliminar o XV de Piracicaba na primeira fase, foi eliminado pelo Goiás na etapa seguinte.
Nos anos 2000, o Caxias começa o novo século com o título gaúcho, sob o comando de Tite e, no ano seguinte, por pouco não chegou novamente à Série A do Brasileirão, após perder o acesso para o Figueirense, em um jogo que terminou no tapetão do STJD.
Desde então, muita coisa mudou. Entre altos e baixos, o clube segue com destaque estadual, e chegou às finais em três oportunidades na última década. Além disso, conquistou o tão esperado acesso à Série C em 2023 após bater na trave algumas vezes.
O futebol brasileiro vive um outro momento. E o desafio é manter-se forte diante das dificuldades financeiras de quem faz futebol no interior do RS.
— Hoje, o que supera é o dinheiro. Só se fala em milhões e milhões. Na minha época, era difícil o dinheiro para os clubes. A própria renovação dos contratos também não era o que é hoje. O abismo e a diferença entre Grêmio, Inter e os clubes do interior já era muito grande. Então, a única aspiração que se tinha era ser campeão do interior, e o Flamengo fez. Isso foi muito gratificante — finalizou Bagatini.
LINHA DO TEMPO GRENÁ
1935 - Primeira partida do Flamengo;
1937 - Campeão Citadino (feito que se repetiu em 42, 42, 48, 51 e 53)
1951 - Começa construção do Estádio Baixada Rubra;
1953 - Campeão Estadual da 2ª Divisão de Profissionais
1969 - Flamengo Campeão Interior do Campeonato Gaúcho;
1971 - Flamengo junta o departamento de futebol com Juventude e cria Associação Caxias de Futebol;
1975 - A fusão se desfaz e nasce a Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias do Sul;
1976 - Após construir o Centenário em seis meses, Caxias é o primeiro clube do interior do Rio Grande do Sul a disputar o Campeonato Brasileiro;
1991 - Caxias disputou sua primeira Copa do Brasil;
1996 - Caxias Campeão da Copa Daltro Menezes;
1998 - Caxias Campeão da Copa Ênio Andrade, lhe dando o direito de disputar a Copa Sul de 1999;

2000 - Caxias Campeão Gaúcho;
2001 - Caxias perde vaga à Série A para o Figueirense em um jogo marcado pelo tapetão;
2007 - Campeão Copa Paulo Rogério Amoretty;
2011 - Vice-campeão da Taça Piratini;
2012 - Campeão da Taça Piratini e vice gaúcho;
2016 - Campeão da Divisão de Acesso do Gauchão;
2020 - Vice-campeão Gaúcho;
2023 - Vice-campeão Gaúcho;
2023 - Acesso à Série C do Brasileiro.
NO SEGUNDO EPISÓDIO...
A Série "Ser Grená - 90 anos de uma Paixão" vai relatar como era o antigo Estádio Baixada Rubra, a construção histórica do Centenário em seis meses e a participação do Caxias na elite do Futebol Brasileiro.