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A despedida do Rei do Futebol Brasileiro remete a um episódio curioso e hoje lembrado com humor e saudosismo pelo médico e escritor Francisco Michielin. No auge dos seus 13 anos, em 1957, ele recusou entrevistar o craque que estava em Caxias do Sul. Antes que se imagine que o menino tenha desdenhado do Atleta do Século, é preciso contextualizar a história com todos os detalhes.
Ocorre que, à época, o então adolescente Michielin era o editor de esportes do jornal estudantil Ecos do Carmo, do Colégio Nossa Senhora do Carmo, onde estudava. Ele recorda que naquele ano o Santos veio a Caxias para jogar no Estádio Alfredo Jaconi contra um time formado por jogadores do Flamengo (hoje Caxias) e do Juventude. Como não existia campeonato nacional, a partida do denominado Fla-Ju contra o time de São Paulo virou uma verdadeira atração na cidade.
Michielin e os amigos Orestes Carlos Soares e Kleber Fazoli foram ao Jaconi pautados para entrevistar o craque do time, o meia Jair da Rosa Pinto, mais conhecido como Jajá.
— Fomos entrevistar o Jair durante o treino do Santos. Como ele tinha seus 35, 36 anos e era o bambambã do time, estava sentado numa parte da grama e, do outro lado, é que os jogadores estavam treinando. Ele foi muito cordial e receptivo. Na hora de nos despedirmos, ele nos disse assim "olha, se vocês quiserem entrevistar um jogador que eu acho que tem futuro, ele tá lá do outro lado" — detalha o escritor.
E quem era o jogador? Pelé! À época com 16 anos, o jogador do Santos ocupava a vaga de reserva no time e, conforme recorda Michielin, foi trazido a Caxias para "fazer número". Tamanha era a pouca importância do craque naquele momento que na entrevista Jajá confidenciou que não sabia se o nome exato era Pêle ou Pelé.
— Na hora que fomos saindo, nós três nos olhamos e dissemos "bem capaz que vamos entrevistar um guri que tem quase a mesma idade que a nossa, nem sabem o nome dele direito, entrou de favor nessa excursão. Negativo. Vamos embora". Então, foi o dia em que eu não entrevistei o Pelé — destaca Michielin, lembrando da história com humor.
Para a surpresa do trio, o "guri" marcou um gol decisivo na partida contra os caxienses, sendo um dos primeiros da sua brilhante carreira profissional — o jogo terminou em 4x1 para os paulistas. Quatro meses depois, em julho, o jovem estreava na Seleção Brasileira, marcando contra a Argentina no Maracanã.
— Eu poderia me gabar até hoje de ter entrevistado o Pelé antes de ele ser grande coisa — brinca o escritor.