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Na semana em que completaram três meses desde que restrições em nível econômico começaram a ser decretadas para combater o coronavírus, dentro do distanciamento social, os impactos ainda não são totalmente mensurados em números, mas começam a se revelar. Na Serra, conforme resultados preliminares de estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais da Universidade de Caxias do Sul (Ipes/UCS), 12% das empresas demitiram nesse período. Os desligamentos, ditos como última alternativa, e a própria adesão massiva a flexibilizações de contratos de trabalho simbolizam o enfraquecimento dos setores econômicos e a fragilidade dos vínculos empregatícios.
Em meio ao dia a dia de expectativas para o fim da pandemia, o que podem fazer donos de negócios e trabalhadores além de aguardar e lamentar prejuízos? A alternativa é adaptar-se.
— É questão de enxergar uma oportunidade naquilo que parece uma tragédia. O meu produto está parado, não está vendendo. Mas espera aí, eu posso vender algo que está sendo demandado, posso adaptar uma ideia, surgir com algo para sustentar a minha empresa e fazer ela passar melhor por essa crise. Não precisa ser o produto final, pode ser um componente — sugere a economista Maria Carolina Gullo.
Os fatores, obviamente, são adversos: a imprecisão sobre o quanto a pandemia vai ainda se prolongar, as contas batendo à porta, assim como o risco de fechamento. Tudo isso talvez ofusque possibilidades para a maioria dos empresários. Entretanto, se a cada dia que passa agentes econômicos continuarem projetando a recuperação somente após o fim da pandemia, podem é estar perdendo oportunidade de se rearranjar para ocupar nichos emergentes e atender a demandas do momento para, pelo menos, amenizar os efeitos da crise.
Claro que, sobretudo, o mundo pede uma vacina contra o novo coronavírus. Mas há uma lista de demandas também urgentes. Entre elas, além das relacionadas à alimentação e higiene, duas são bastante simbólicas: máscaras de proteção e álcool gel. Foram nichos prontamente ocupados ao longo desses três meses, o que tornou tais segmentos já relativamente saturados. Além do empreendedorismo espontâneo, gerado principalmente com a venda de máscaras de tecido artesanais, empresas já estabelecidas, mesmo de médio porte, podem atender a diversas demandas.
O que mais está sendo demandado? Quais são os insumos que compõem as principais demandas? Foi a partir de questões como essas que muitos encontraram uma resposta, investiram e hoje encontra-se em situação menos exposta à crise. Foi o caso da empresa Arco Componentes Metálicos, de Caxias do Sul, que, a partir de uma autoanálise se reinventou em tempo para reduzir os inevitáveis danos. A metalúrgica, voltada especificamente para os segmentos calçadista e têxtil, passou a produzir clipes de alumínio para máscaras de proteção.
— Fizemos um levantamento de todos os itens, independente de ser da parte metalúrgica ou não, mas de todos os itens que entendíamos que iam ser consumidos, como máscara, protetores faciais, óculos, luvas. Começamos a dissecar onde poderíamos nos encaixar e adequar a nossa produção. Percebemos a oportunidade com o clipe nasal, que poderíamos adequar ao nosso processo produtivo — revela a sócia-proprietária da empresa, Patrícia Mattana.
O componente representou 10% do faturamento da empresa em maio, o que já ajudou a amenizar a situação difícil.
Momento para reinvenções
Na visão de Rafael Zeni, professor de Administração do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), crises como a atual podem servir de "momento propulsor para mudanças":
— No caso das empresas já constituídas, a adaptação da oferta passa a ser uma questão de sobrevivência, uma forma de minimizar o impacto financeiro da pandemia. Já as pessoas que demonstraram ímpeto empreendedor, criando produtos e serviços voltados às novas necessidades impostas pelo distanciamento social, devem tomar este período como uma grande experiência, para, quem sabe, continuar empreendendo quando tudo voltar à normalidade.
Já para Cleber Figueredo, coordenador de Tecnologia, Informação e Inovação da Câmara de Dirigentes Lojistas de Caxias, a retomada com potencial de recuperação após o fim da crise só deve ocorrer com inovação por parte dos empresários.
— Defendemos muito como referência para recuperação a chamada "curva em v". Ou seja, temos a consciência de que o negócio vai cair, inevitável, mas pode-se criar estratégia para poder voltar a crescer na mesma velocidade que caiu. Reinvenção é criar uma coisa que não tinha para ter uma receita que não tinha. Vai ter que voltar um pouco na história dele mesmo (do empreendedor) e pensar: "o que deu lampejo para eu criar o meu negócio? O que motivou a fazer o que antes não fazia?" E usar a mesma energia para inovar — avalia Figueredo.
"Venda de água sanitária aumentou 500%"
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Além dos itens de proteção mais representativos, como álcool gel e máscaras, produtos de higienização e sanitizantes ocuparam posições privilegiadas na pirâmide de prioridades do consumidor desde o início da pandemia. O resultado foi o crescimento da demanda no varejo e, naturalmente, uma situação privilegiada para fabricantes desses produtos, caso da Polibom, empresa caxiense que atua no segmento de produtos de limpeza desde 2009. De março para cá, o crescimento do número de pedidos foi notável, afirma o proprietário César Polli.
— Água sanitária é o principal produto demandado. Antes já vendíamos bastante, mas aumentou 500% (esse produto). No geral, as vendas também aumentaram, dobraram — ressalta Poli, cuja empresa produz desde cosméticos até produtos automotivos.
Além da água sanitária, produtos de higienização, álcool, detergente e sabonete líquido foram itens que também tiveram aumento considerável.
Apesar de vender em loja própria, no bairro Desvio Rizzo, a empresa trabalha majoritariamente com revendedoras espalhadas pela cidade. Portanto, o sucesso de venda dos produtos da marca impulsionam não só a fabricante, como toda a cadeia ligada ao segmento.
— Trabalhamos com contratos e parcerias de lojas e empreendedores, especialmente de bairro. Dependemos e torcemos para o sucesso deles para que também possamos aumentar as nossas vendas — destaca Polli.
Antes da pandemia, a Polibom contava com 30 parceiros. Atualmente, segundo Polli, são cerca de 45 lojas que distribuem produtos da marca pela cidade. Com cinco funcionários no momento, César não descarta expandir o quadro, caso a demanda continue crescente.
NICHOS DA PANDEMIA
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- Serviços de saúde.
- Serviços de entrega.
- Alimentação por delivery.
- Produção e venda de vitamínicos e suplementos nutricionais.
- Máscaras e seus componentes (tecidos, elásticos, clipes de ferro).
- Protetores faciais e seus componentes.
- Propés (sapatilhas descartáveis).
- Produtos de limpeza, higiene, desinfetantes, sanitizantes.
- Álcool em gel.
- Embalagens (para líquidos, máscaras e mesmo para lanches).
- Totens para armazenamento e aplicação (geralmente por pedal) de álcool gel.
- oxi-sanitização e seus componentes
- Entretenimento online.
- Plataformas digitais de comunicação.
- Logística.
- Serviços de internet.
- Seguro médico e de vida.
- Serviços à distância, desde aulas a consultas. A adesão massiva ao online facilitou atendimentos.
Nichos pós-pandemia
:: Soluções domésticas - Passar muito tempo dentro de casa fez as pessoas perceberem que precisam otimizar o espaço de seu lar. Por isso, em médio e longo prazo, a tendência é de que consumidores adquiram itens que possam proporcionar maior conforto, desde eletrodomésticos funcionais, móveis mais apropriados, até reformas efetivamente.
:: Hábitos adquiridos que se manterão - Ainda é incerto, mas a tendência é de que a pandemia tenha ensinado algumas lições sanitárias ao brasileiro, como lavar as mãos corretamente, manter a imunidade resistente e, quem sabe, utilizar a máscara quando apresentar sintomas gripais. Com isso, após a acomodação do mercado, esses nichos hoje saturados podem voltar a ser nichos após o fim desse boom.
:: Mercado próprio - Logo que as máscaras surgiram como necessidade, a oferta se esvaziou rapidamente, assim como a de álcool gel. Embora a produção de ambas esteja atualmente garantida e adequada à demanda, ainda assim a região carece de indústrias para ambos os segmentos. Considerando que novas pandemias podem surgir, esses produtos eventualmente podem ser novamente almejados em grande escala no mercado. Recentemente, uma empresa de Novo Hamburgo anunciou o lançamento de uma fábrica de máscaras na Região Metropolitana. Mas existem modelos e públicos diferentes para o produto. Caso semelhante é com o álcool gel, que precisou de liberação expandida da Anvisa para que a produção aumentasse no país, a ponto de comportar a demanda.
:: Saúde - A demanda reprimida de consultas eletivas gerou automaticamente um volume futuro, que deve aquecer diversos segmentos de saúde.
:: Para a saúde - A adaptação de produções de respiradores indicou também a carência de um nicho ininterrupto: a área da saúde. O parque fabril regional pouco se apropria da demanda de hospitais, tanto na questão de equipamentos e tecnologia e também estruturais, caso da construção civil. Voltando o olhar para a área, observam-se potenciais nichos também para outros segmentos, como facilitadores para pessoas com locomoção limitada e idosos.
PRESTE ATENÇÃO
:: Saturação do mercado: cuidado em não contribuir com a overdose de oferta. Não ofereça um produto em um mercado supostamente aquecido se você não tem diferencial ou público-alvo definido. Caso contrário, você apenas vai contribuir para que haja excesso de oferta e, com isso, não só vai se prejudicar como também outros que empreendem no segmento.
:: Chegar atrasado: também como efeito, explorar um nicho que já está praticamente deixando de ser um nicho pela saturação tende a ser um investimento furado se não houver diferencial. Cuidado: mesmo se pareça uma demanda massiva de consumo, pode ser que muitas outras empresas tenham chegado antes. Analise bem o mercado, o potencial e o risco do investimento. Encontrar preços muito mais altos de matéria-prima (em razão da alta demanda) também é um dos riscos nesse caso.
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