Consequência do uso abusivo de agrotóxicos, má drenagem, adubações desequilibradas e proliferação de pragas, o solo utilizado para o plantio de videiras em pequenas propriedades da Serra Gaúcha apresenta sinais de fadiga preocupantes. Produtores deparam, frequentemente, com a morte das parreiras em dois ou três anos, e amargam prejuízos que os fazem desistir e partir para outras culturas.
Durante a safra de 2015, pesquisadores da Embrapa começaram a desenvolver um projeto de R$ 700 mil, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e outras instituições, que promete estancar as perdas e renovar as áreas sem aplicação de qualquer agrotóxico. Coordenado pelo engenheiro agrônomo e doutor em fitopatologia Lucas Garrido, o trabalho é realizado em cinco propriedades de Flores da Cunha, Garibaldi, Bento Gonçalves e Caxias do Sul.
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Os produtores escolhidos receberão 900 mudas de Vacaria e Garibaldi e os compostos orgânicos para fazê-las crescerem saudáveis. Em contrapartida, entram com a mão de obra e seguem as orientações da Embrapa. Eles serão monitorados periodicamente até o final do programa, previsto para o verão de 2018. O objetivo do órgão é criar um método que possa ser propagado nas demais cidades gaúchas e nos estados de Santa Cataria e Paraná.
– Com certeza essas medidas funcionarão. O problema hoje é que as mudas estão sem as condições ideais, já que as parreiras encontram-se muito judiadas pelo excesso de venenos – afirma Garrido.
Antes de implantar a técnica, a Embrapa visitou mais de 100 áreas e detectou as variedades de fungos e viroses que causavam a mortandade de videiras. Por meio de análises e conversas com os agricultores, os pesquisadores identificaram que praticamente todo o solo foi comprometido por replantios equivocados – o Código Florestal impôs uma série de restrições a plantações em locais "virgens".
Na pressa de colher as uvas e ganhar dinheiro, os produtores adquirem material de péssima qualidade e contaminado com fungos, que entopem os vasos condutores e causam infecções sistêmicas dentro da planta, acarretando a morte vegetativa. A falta de conhecimento contribui para a perpetuação dos erros em larga escala.
– Se for feito de qualquer jeito, não vai dar certo. Observamos problemas semelhantes não só aqui na Serra, ocasionados pela falta de cuidados adequados na terra e nos matrizeiros – salienta Lucas Garrido.
Além das mudas livres de doenças, os agricultores ganharam da Embrapa um microgel. Feito de compostos naturais, ele deve ser colocado nos pés da videira para fortalecer a planta e consumir as toxinas. Entre os principais patógenos mapeados pelo estudo estão a fusariose, o pé-preto (Cylindrocarpon destructans) e a doença de Petri (Phaeomoniella chlamydospora).
"Eu vivia no desconhecimento, era só agrotóxico"
Na zona rural de Flores da Cunha, um dos cobaias do projeto trabalha com afinco para ver seus 2,5 hectares de parreiras livres de pesticidas "bombando" até 2019. Olir Marin (vídeo acima), 54 anos, filiado à Cooperativa Nova Aliança – que agrega mais de 900 famílias –, era monitorado pela Embrapa há dois anos e foi escolhido devido às grandes dificuldades que tinha em desenvolver uvas bordô de qualidade.
Uma vez por mês, ele recebe técnicos que monitoram o andamento da experiência e o auxiliam a transformar o que era um cemitério orgânico em terreno fértil e vigoroso. Marin ficou tão interessado que adquiriu mais mudas, afora as 300 iniciais, entregues pela Embrapa:
– Fui premiado. Estava querendo desistir, era só problema, não dava mais. Como não sabia das coisas, tirava as plantas doentes e as outras não vingavam também.
Na lavoura desde a infância, Marin fala que seguia dicas repassadas por familiares e amigos da lida e que nunca tinha sido orientado de forma tão esclarecedora. A Nova Aliança, intermediadora da parceria com o estudo, abriu portas, e ele promete retribuir com até 20 mil quilos de um produto limpo e com valor de mercado superior.
– Eu vivia no desconhecimento, era só agrotóxico. A gente chegava a passar veneno três vezes em seis meses. Eu não sabia, mas quanto mais tóxico se usa, mais se mata a raiz da planta – relata.
A expectativa é que em agosto comece a brotação e, num ano, o teto do seu parreiral esteja forrado de folhas. Por enquanto, os pés ainda não ultrapassaram 30 centímetros. Periodicamente, ele caminha no viveiro e, com a enxada, remove a terra, na esperança de que o resultado final vai compensar o esforço.
Ele relata a rotina com entusiasmo aos colegas da cooperativa, que estão pensando em iniciar um trabalho com os mesmos tratamentos, de forma particular. A Nova Aliança pretende investir mais em produtos orgânicos e estimula seus associados a abandonarem os agrotóxicos para preservar a terra e obter ganhos financeiros maiores do que os atuais.
– No final de cada ano, queremos reunir os produtores para mostrar como eles devem agir. Há formas naturais de viabilizar o plantio em áreas de replantio. Observamos que já melhorou significativamente a qualidade (nos locais estudados). Queremos expandir – diz o coordenador da pesquisa, Lucas Garrido.
Saiba mais sobre o projeto
– Vinho&Suco: tecnologias para a qualificação e sustentabilidade da produção brasileira de vinho e suco de uva
– Cronograma: iniciado em janeiro de 2015, tem previsão de término em janeiro de 2018.
– Cidades beneficiadas: Flores da Cunha, Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Garibaldi e Farroupilha
– Participam da pesquisa: além da Embrapa, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), UFRGS, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade do Pampa Gaúcho, Proterra, Emater-RS e Emater-PR.