Passados mais de 15 anos do fim da hiperinflação, quase 9 mil gaúchos ainda sentem os efeitos da queda do poder aquisitivo e da sucessão de planos econômicos que varreram salários e preços no país entre 1986 e 1994. Com saldos devedores que podem passar de R$ 400 mil por contrato, esses mutuários ainda lutam para quitar seus imóveis com o Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Em alguns casos, a dívida tornou-se impagável.
A Empresa Gestora de Ativos (Emgea), criada em 2001 pelo governo só para resolver casos de "contratos desequilibrados", informa que 8.584 mutuários no Estado não conseguiram negociar débitos com o sistema habitacional. O montante da dívida não é oficial, mas os especialistas estimam que chegue a R$ 570 milhões.
Caso, por exemplo, do advogado Orlei Dutra Marques. Mutuário desde 1988 da Poupex, conveniada com o Banco do Brasil, o aposentado já pagou 20 anos de financiamento para um apartamento de três quartos no centro de Novo Hamburgo, com valor de mercado de R$ 180 mil. Apesar de ter encerrado o contrato em 2008 e de continuar descontando R$ 358 mensais na folha de pagamento, ainda deve ao sistema R$ 419 mil, de acordo com o relatório contábil de 2009.
- Logrado seria uma palavra forte. Mas eu me sinto iludido pelo sistema - desabafa o advogado.
Como ele, os mutuários que não negociaram suas dívidas temem perder os imóveis por conta de desequilíbrios fiscais causados pelos cinco planos econômicos que se sucederam em oito anos. O grande vilão do desequilíbrio é a TR (Taxa Referencial). Criada em 1991, essa taxa passou a remunerar os depósitos de poupança e do FGTS e, assim, a reajustar os saldos devedores do sistema habitacional. Mas os salários e as prestações dos contratos não seguiram essa lógica.
O resultado foi um rombo no SFH que hoje chega a R$ 20,2 bilhões para cerca de 300 mil contratos no país. A inadimplência dos contratos firmados de 1986 até 1993 beira os 80% no Rio Grande do Sul. Segundo a Associação dos Mutuários e Moradores do Estado (AMM), há 24 mil contratos habitacionais com prestações em atraso.
A solução para saldos devedores impagáveis tem sido acordos na Justiça, aponta o coordenador do Sistema de Conciliação da Justiça Federal no Estado, Jurandi Borges Pinheiro. O diretor-presidente da Emgea, Josemir Mangueira, disse que desde 2001 o número de contratos liquidados pela empresa chegou a 920 mil em todo o país. No Rio Grande do Sul, de um total de 17.875 contratos com saldo devedor, 7.229 foram liquidados, e 2.062, renegociados. Os contratos que restam devem ser alvo de conciliação judicial.
Economia
Herança dos tempos da hiperinflação barra o sonho da casa própria
Mutuários que não conseguiram quitar imóveis do SFH acumulam dívida estimada em R$ 570 milhões
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