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Cidade que abriga pessoas das mais diversas regiões do Brasil e do mundo todo, Caxias do Sul tem visto se diversificar cada vez mais não apenas os seus sotaques e cores, mas também o seu cenário urbano. Em parte porque, aqui e ali, pessoas que vieram atrás da sonhada melhora de vida encontraram a oportunidade de trazer também os sabores do seu lugar de origem, abrindo restaurantes dedicados à culinária que escapa do óbvio e que provoca descobertas para quem é daqui e nostalgia para quem vem de fora.
Na área central da cidade, há dois anos o restaurante Biscucuy reaproxima os imigrantes venezuelanos de sua culinária típica, com as saborosas arepas, empanadas e cachapas preparadas com a farinha de milho importada da Venezuela, cujo diferencial é ser pré-cozida. Também faz sucesso o papelón con limón, bebida refrescante feita com rapadura e suco de limão. O nome do restaurante é o mesmo da cidade de 53 mil habitantes de onde veio a proprietária, Mercedes Durán, 53 anos.
- É uma cidade pequena, mas é de onde sai a maior parte dos alimentos consumidos pelos venezuelanos - orgulha-se.
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A primeira da família a vir para Caxias foi a filha Fernanda, 32, massoterapeuta. Foi quem, já morando no Chile, teve a ideia de reunir toda a família em outro país, para que tivessem condições melhores para prosperar, conforme a vida na Venezuela se mostrava cada vez mais difícil. Vieram, então, Mercedes, Fernanda e outros cinco filhos da cozinheira (uma filha mora em Madrid).
Embora o Biscucuy sirva também comida tradicional brasileira, os lanches venezuelanos fazem sucesso não apenas entre os imigrantes venezuelanos, que chegam a se emocionar ao provar uma iguaria que os remete à pátria deixada para trás, mas também entre os caxienses.
- A gente sabe que a gastronomia de Caxias é muito boa, porque não tem como comparar essa mistura que se faz da gastronomia italiana com as raízes brasileiras. Eu mesma, adoro. Mas está dando certo, porque as pessoas têm curiosidade. Nosso cliente é aquela pessoa que chega para tomar um cafezinho, olha o cardápio, pede um lanche para experimentar e se surpreende, principalmente com os temperos - conta Fernanda.
O Biscucuy fica na Rua Vereador Mário Pezzi, 699. No Instagram, o perfil é @obiscucuy.
Teranga, palavra que define o jeito de ser senegalês
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Embora não tenha uma tradução para a língua portuguesa, o significado mais próximo para Teranga talvez seja hospitalidade.
- Senegal é conhecido como o país da Teranga. Isso quer dizer que é um país de pessoas que recebem bem, que acolhem bem. É a arte de conviver bem e pela alegria em compartilhar o alimento. Receber bem e se sentir acolhido, isso é Teranga - explica o senegalês radicado em Caxias Cheikh Mbacke Gueye, mais conhecido como Cher.
Foi com esse conhecimento em mente que Cher abriu, em 2023, o restaurante Teranga Culinária Senegalesa, também na área central de Caxias. A ideia surgiu após Cher ajudar a organizar alguns almoços típicos em eventos promovidos pelo coletivo Ser Legal, que ajudava a aproximar os caxienses da cultura senegalesa logo nos primeiros anos da migração em massa dos africanos, uma década atrás. Embora o lugar seja uma referência para senegaleses que querem matar a saudade da sua culinária, a maior parte da clientela é brasileira.
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- Algumas pessoas acham que não faz sentido, mas acho que faz. Porque os senegaleses que moram aqui podem fazer em casa estes mesmos pratos. Por isso recebo muitos brasileiros que vêm pela curiosidade, ou porque já provaram e gostaram da comida. Também há pessoas que já foram para o Senegal e que experimentaram estes pratos por lá, daí vêm aqui para reviver um pouco da viagem - comenta Cher.
Entre os pratos mais consumidos no Teranga estão o mafé (molho de carne com pasta de amendoim natural cozido junto com cenoura, batata doce, e tomate e é servido com arroz branco) e o vermicelle yapp (massa cabelo de anjo cozido no vapor, acompanhada de carne de frango e molho de cebola), além de diversos pratos feitos com frutos do mar. Cher comenta que uma dificuldade inicial comum a quem experimenta a culinária senegalesa é o tempero forte e apimentado, o que o fez adaptar alguns dos pratos ao paladar brasileiro.
- Algumas pessoas comentam que querem vir conhecer o restaurante, mas que têm medo de não gostar, de achar que a comida pode ser muito apimentada. Por conta disso a gente diminuiu um pouco a pimenta na receita, para agradar a todos os paladares, servindo uma porção extra em um potinho separado. Mas se não tiver pimenta, não vai ser comida senegalesa. Também temos um suco tradicional feito com gengibre, que também é forte, e que, acompanhando um prato mais apimentado, realmente vai resultar numa mistura muito forte - alerta.
O Teranga fica na Rua Marquês do Herval, 966. No Instagram, @terangasenegalesa.
Comida que alimenta o corpo e conforta a alma
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- O paraense, longe de casa, sente falta é da comida.
Foi por ser paraense e por enxergar nesta necessidade uma oportunidade, que o autor da frase, Jackson Alves, 32, e sua companheira, Herica Alves, 39, ambos radicados em Caxias, abriram por aqui o Cantinho do Norte, há cinco anos.
A história começa na pandemia. Em busca de uma renda extra, o casal experimentou preparar algumas marmitas de um dos pratos típicos do norte do país, a maniçoba ( feita com folhas de mandioca-brava moídas e cozidas, misturada com carnes como bacon, calabresa e charque) . O sucesso foi tão rápido que logo surgiram convites para atender também em feiras na Praça Dante Alighieri, na Maesa e no Centro de Cultura Ordovás. Mas faltava aquilo que os clientes, que àquela altura já eram amigos, chamavam de "cantinho".
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- "Cadê o cantinho? Cadê o cantinho?" Era só o que nos perguntavam, porque além de poder comer em casa, nossa freguesia queria poder ter um lugar pra se encontrar e escutar uma boa música, dançar, que também é algo muito forte da nossa cultura.
Assim surgiu, então, o restaurante que, além da maniçoba, tem entre as especialidades o tacacá (espécie de sopa com tucupi, goma de tapioca, camarão seco e jambu, temperada com pimenta) e o açaí (fruto típico da região), entre outros que fazem salivar um público que em sua grande maioria é de conterrâneos dos proprietários. Apenas 10%, estima Jackson, são caxienses.
- Acho que a relação do nosso povo com a comida é única. Principalmente com a farinha, que a gente come no café da manhã, no almoço e na janta, desde criança. O churrasco do gaúcho é bom, mas a gente come e fica pensando que com uma farinha junto ficaria melhor - diverte-se.
Herica atribui o sucesso do seu Cantinho à relação afetiva que os imigrantes do Norte e Nordeste têm com os pratos que marcaram sua infância.
- É uma comida que conforta a gente. Se você está com saudade de casa e come uma colherada de açaí, já se sente mais confortável.
O Cantinho do Norte está na Rua Ernesto Alves, 2528. No Instagram, @cantinhodonortehd.
Iguarias árabes adaptadas ao "paladar gringo"
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Primeiro restaurante dedicado à culinária turca na Serra, o Capadócia já soma seis anos servindo aos caxienses, principalmente por telentrega. Salih Yuce, sócio fundador remanescente, que atualmente comanda o negócio com a esposa, Merve Ozdemir, comenta que, por serem muçulmanos, não vendem, nem servem bebidas alcoólicas no local:
- É por isso que a maioria dos clientes prefere fazer o seu pedido para comer em casa, com a sua bebida preferida.
Salih tem como profissão de formação a sociologia, enquanto Merve é artesã, que tem como matéria-prima preferida a cerâmica. Ambos, contudo, se dedicam exclusivamente ao restaurante. Para Merve, é uma forma de unir o útil ao agradável:
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- A gente gosta muito de comer (risos). E nós, mulheres, na Turquia, aprendemos a cozinhar com nossas mães já na infância. Enquanto aqui a gente vê que as pessoas gostam de pedir comida em casa, ou sair para comer fora, é da nossa cultura fazer a própria comida, todos os dias.
O casal considera que o preparo artesanal de pratos como o shawarma (sanduíche), a lahmajun (pizza), os kibes e as esfihas, além de doces típicos, é um diferencial que tem não apenas ajudado a fidelizar a clientela local, como atrair pessoas de origem árabe que moram em outras cidades, como Porto Alegre, para vir a Caxias conhecer o Capadócia.
- Como a comunidade árabe não é muito grande aqui em Caxias, a maior parte do nosso público é de caxienses. Quando cheguei aqui, um dos motivos que me fez pensar em abrir um restaurante foi ver que muitas pessoas já visitaram a Turquia. Deu certo. Só foi preciso adaptar nosso tempero ao paladar caxiense, já que muitos clientes consideram a nossa comida muito picante - diz Salih.
O Capadócia está na Rua Dr. Augusto Pestana, 359, em Caxias do Sul. No Instagram, @capadociaculinariaturca.