Gabriel Cortes tem 14 anos e, ao contrário da grande maioria dos guris da sua idade, não passa a maior parte do tempo com os olhos grudados em uma tela. Não é que não jogue videogame ou não mexa no celular, mas as duas coisas que ele mais gosta são inventar brinquedos de papelão, como caminhões para brincar ou bonecos para deixar de enfeite, e de jogar bocha com os amigos do bairro Santa Lúcia, em Caxias do Sul.
Embora seja considerado por muitos como um jogo de veteranos, o interesse pela modalidade trazida para a América com os imigrantes italianos se renova entre a gurizada que se reúne com os adultos duas vezes por semana, no ginásio aos fundos da igreja do bairro. Meninos como Gabriel encontraram na cancha a mesma emoção que a quadra ou o campo de futebol oferece, mas com um espírito mais agregador e menos acirrado.
— Não importa se é criança ou veterano, todos dão mais importância pra amizade do que pra ganhar ou perder. Foi a parceria que me fez gostar mais da bocha. O que importa é se divertir — comenta Gabriel.
Da mesma idade de Gabriel, Henrique Emanuel Ferreira, conheceu a bocha num dia em que foi acompanhar o pai em seu jogo de futebol de salão, também no ginásio da Sociedade Esportiva e Recreativa Santa Lúcia. O barulho e a animação na cancha ao lado despertaram sua curiosidade e ele foi ver o que era. Foi fisgado na hora:
— Os jogadores viram que eu estava gostando e me convidaram para treinar com eles. Peguei gosto pela bocha e entrei para o time — comenta o menino, que recentemente conquistou seu primeiro troféu, numa competição sub-15, em Carlos Barbosa.
RENOVAÇÃO ESCASSA
Segundo os jogadores de alguns dos clubes mais tradicionais da cidade, a gurizada do Santa Lúcia, infelizmente é uma exceção: as equipes sentem falta de mais jovens interessados no esporte, e isso ajuda a explicar a diminuição de 10 para seis os clubes filiados à Associação Caxiense de Bocha.
— Antigamente a gente ia jogar futebol no interior e sempre tinha alguém na cancha jogando bocha, às vezes até a hora de se fardar para o futebol. Hoje muitas das canchas que ainda existem estão abandonadas. Falta mais iniciativa de trazer a gurizada até a cancha pra conhecer o jogo, porque quando conhecem eles se apaixonam — lamenta Luiz Carlos da Silva, o Madruga, 78.
O presidente da entidade, Aléssio Rombaldi, também colega de equipe de Madruga na Sociedade Esportiva e Recreativa (S.E.R.) Medianeira, fundada em 1965, ressalta que cada vez menos pessoas têm se interessado em dedicar todo o tempo que a bocha competitiva exige. Além de dois treinos por semana, aos finais de semana são disputados torneios em Caxias do Sul, na região ou no litoral.
— A gente já teve dois times aqui no Medianeira, hoje só tem um. Não é só Caxias que sente falta de renovação. Carlos Barbosa, Garibaldi, Nova Prata, que eram celeiros de talentos, também estão penando. A gente vê que, na cidade ou no interior, o guri completa 18 anos e só quer saber de carro, som e namorada. Não quer se envolver com nada — comenta Rombaldi.
Clubes caxienses como o Medianeira são mantidos com a ajuda de patrocinadores, que pagam uma taxa anual para expor sua marca em um banner na cancha da entidade, onde frequentemente são realizados torneios que atraem bom público. O valor é utilizado principalmente para custear as viagens e para bancar a vinda de jogadores de fora de Caxias que completam o time. Eventualmente são realizadas rifas ou almoços comunitários que também ajudam a completar o orçamento.
JOGO DE ADRENALINA
Para quem se permite dar uma chance ao jogo que exige precisão, inteligência e concentração daquele que almeja ser um bom jogador, a bocha recompensa com emoção a cada arremesso. Givanildo Cortes, pai do menino Gabriel, começou a jogar depois de adulto, ao ver o quanto o filho se entretinha. Quando começou a treinar, também se encantou pelo jogo:
— Quem acha que bocha é coisa de velho precisa assistir um jogo pra ver a adrenalina que dá. É muito bonito ver alguém acertar um arremesso difícil, como um tiro trancado. Todo mundo aplaude, até o time adversário parabeniza.
Pai e filho também destacam o quanto a bocha ajudou o menino a lidar com crises de ansiedade. Durante um período de um ano e meio em que a pandemia impediu Gabriel de jogar, o quadro evoluiu para uma leve depressão. Com a retomada da rotina semanal de treinos, no entanto, voltou também a tranquilidade:
— No período da pandemia eu comecei a treinar boxe, mas logo parei. Fiquei deprimido, tive que tomar remédios. Mas quando pude voltar a jogar bocha a alegria voltou. Porque a gente fica envolvido no jogo, se diverte com os amigos e os pensamentos ruins vão embora.
Jovem campeã na quadra e na vida
Ao mesmo tempo em que os clubes de bocha de Caxias do Sul sentem a dificuldade de atrair os jovens para as canchas, o setor de Paradesporto e Lazer Inclusivo da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (Smel) ajudou a fazer emergir um jovem talento da bocha paralímpica. Aos 16 anos, a caxiense Bruna Menegat Dondé já coleciona medalhas em competições regionais e nacionais, sendo a mais recente delas a de 1º lugar no Campeonato Brasileiro de Bocha Paralímpica de Jovens (classe BC2), em Curitiba (PR), conquistada no último mês de maio.
Nascida com paralisia cerebral, Bruna começou no paradesporto aos nove anos, após assistir, sempre ao lado da mãe, Marilene, uma partida de basquete para cadeirantes na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Foi convidada para treinar arremessos e logo começou a praticar também natação e a própria bocha, pela qual se apaixonou. Nos anos seguintes passou a ingressar em programas da Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) e da própria Smel, onde se aprimorou e passou a disputar as primeiras competições. Há um ano passou a contar com o treinamento do professor Tiago Frank, através da parceria da Smel com a UCS, que cede o espaço no campus.
— A Bruna tem um potencial incrível. O que mais chama a atenção é o quanto ela conseguiu evoluir num espaço de tempo muito curto, por isso a gente tem um olhar muito carinhoso pro desenvolvimento dela. É uma jovem com muito entusiasmo, e que conta com apoio maravilhoso da família — destaca Frank.
Os treinos ocorrem duas vezes por semana. Tiago acrescenta que também são fundamentais para a evolução de Bruna o fato dela fazer academia, e, é claro, o de não perder um treino sequer. A mãe conta que a bocha foi um divisor de águas na vida da filha, que antes pouco saía de casa e interagia muito menos com as pessoas:
— Se não fosse o esporte ela ia ficar em casa sem fazer nada. É mais qualidade de vida, ajuda nos movimentos dela, dá mais autonomia e faz ela conhecer muito mais gente. Hoje ela tem amigas de diversos lugares do Brasil, que ela encontra nas competições.
Os próximos objetivos da atleta, até o fim deste ano, são a seletiva para as paralimpíadas escolares, e também a participação no campeonato estadual. Bruna, Tiago e Marilene também nutrem a esperança de que a atleta possa integrar a seleção brasileira que irá disputar o Pan-americano em Bogotá, na Colômbia, em 2023.
Programe-se
Ocorre neste fim de semana, em Caxias, o Campeonato Estadual de Bocha nas categorias sub-12 e sub-15. Será no sábado e no domingo, a partir das 9h, na S.E.R. Santa Lúcia (sub-12) e S.E.R. Medianeira (sub-15). A entrada é gratuita.