Todas as regras do cinema foram violadas em Acossado. E essa é somente uma entre as inúmeras razões existentes para conferir o longa de Jean-Luc Godard, que ganha sessões especiais em Caxias a partir desta quinta (5), na Sala de Cinema Ulysses Geremia. Vale acrescentar que o clássico foi homenageado pelo Festival Varilux de Cinema Francês em 2020, ano em que completou 60 anos, mas as exibições por aqui acabaram não acontecendo em função da pandemia. A oportunidade para os espectadores da Serra conferirem esse importante manifesto estético da Nouvelle Vague na telona está chegando agora, sem nenhum gancho específico, a não ser sua importância para a história do cinema; ou seu estilo que, acredite, jamais deixará de ser moderno e descolado.
Antes de falarmos propriamente do conteúdo de Acossado, é preciso fazer uma breve contextualização histórica. Trata-se do primeiro filme de Godard e foi lançado um ano depois de Os Incompreendidos, de François Truffaut. Tanto Godard como Truffaut eram críticos de cinema da antológica publicação Cahiers du Cinéma, fundada por André Bazin. Foi Bazin, aliás, quem incentivou os nobres colegas a fazerem seus próprios filmes ao invés de só “falarem mal” das obras alheias – ambos eram implacáveis, principalmente quando se tratava da produção cinematográfica de seu próprio país. Foi assim, desafiados a criarem e a filmarem as narrativas de seu tempo, que essa turma – composta ainda por talentos do naipe de Alain Resnais, Claude Chabrol e Agnès Varda – foi dando forma à Nouvelle Vague, um dos movimentos artísticos mais relevantes do século 20.
Justamente por ter formação como crítico, Godard baseia seu fazer cinematográfico a partir de um vasto conhecimento de outras obras, outros olhares. Não à toa, seu filme de estreia traz algumas homenagens a outros trabalhos. A clássica cena na qual a personagem Patricia Franchisi (Jean Seberg) mira Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo) através de um cartaz enrolado como um cano, fechando a lente da câmera como se fosse seu próprio olho, por exemplo, é conhecidamente inspirada no faroeste norte-americano Dragões da Violência (1957). O apreço por algumas características da cultura dos Estados Unidos, aliás, deu bastante subsídio para Godard em Acossado. Está presente tanto na levada jazzística da trilha, como nas figuras de Patricia – americana que trabalha para o New York Herald Tribune – e de Michel – obcecado pela figura de Humphrey Bogart e seu combo mítico de chapéu + cigarro quase descolando da boca.
Mas se o cinema americano era conhecido por seus grandes gênios e pela clássica premissa da montagem invisível, Godard resolveu que era tempo de queimar os códigos e reinventar o tempo. Acossado marcou época principalmente por sua narrativa não-fixa, pela ruptura da linearidade, pelo frescor de uma montagem frenética e até então pouco experimentada – assinada por Cécile Decugis. Entra aí o gosto do cineasta pelos jump-cuts (aqueles cortes de cena que ocorrem numa mesma tomada), como se desafiasse o espectador a refletir sobre a manipulação do tempo de uma maneira completamente diferente.
Ah, sim, e tem ainda a trama, baseada em escritos de Truffaut. Basicamente, Acossado é um filme de ação sobre um malandro que precisa fugir da polícia após cometer um grave crime, enquanto tenta conquistar a mulher pelo qual está apaixonado. Michel e Patricia (com seus looks modernos desde 1960) caminhando pela Champs-Élysées ainda compõem um dos retratos mais icônicos da cultura pop. Porém, mais do que uma história com personagens marcantes e cheia de diálogos non-sense (Tarantino bebeu muito daqui), Acossado é um registro histórico sobre a vida que pulsa mais frenética do que o olho pode captar.
Programe-se
- O quê: exibições do clássico francês Acossado, de Jean-Luc Godard.
- Quando: desta quinta (5) até o dia 15, com sessões de quinta a domingo, sempre às 19h30min.
- Onde: Sala de Cinema Ulysses Geremia, no Centro de Cultura Ordovás (Rua Luiz Antunes, 312), em Caxias.
- Quanto: R$ 10 ou R$ 5 (estudantes, idosos ou servidores municipais).
- Duração: 90 minutos.
- Classificação: 14 anos.