Quando optaram por deixar o interior de Santa Catarina para voltar a Caxias do Sul, em 2018, Cynthia Santini, 35, e Rafael Chies,33, queriam dar à filha Verônica, então com cinco meses, uma proximidade maior com os avós, aumentando também a rede de apoio no cuidado ao bebê. Embora tenham desfrutado da escolha, quis a ironia do destino que o casal experimentasse sensação oposta com o segundo filho, Vicente, nascido em setembro do ano passado, em meio à pandemia.
O coronavírus transformou a experiência da gestação e da maternidade e a forma das famílias interagirem com os recém-nascidos. Por precaução, casais como Cynthia e Rafael tiveram de restringir, ou até mesmo evitar, o acesso aos bebês por parte de familiares e amigos: visitas deram lugar às videochamadas, lembrancinhas de nascimento foram entregues a domicílio, e até mesmo o chá de revelação ganhou uma versão virtual, com jogo de adivinhação pelo WhatsApp no grupo da família.
– Por ser um vírus novo, foi como se fosse uma primeira gestação. O tempo todo com a sensação de não saber o que podia acontecer, se o bebê pode ou não pegar o vírus, se pode ou não transmitir, se determinada reação era da gravidez ou se podia ser covid... – relata a mãe.
Ao contrário da primeira gravidez, em que Rafael esteve presente com a esposa em todas as consultas, desta vez o pai teve de se acostumar a aguardar no carro.
– Quando ela voltava do exame de ultrassom tinha de descrever como era a boquinha dele, como era a orelhinha, e eu tinha de ficar imaginando – conta Rafael, que só soube que teria a liberação para acompanhar o parto um dia antes, por conta da troca de bandeiras.
Ambos em home-office desde o começo da pandemia, a servidora pública federal e o engenheiro civil cumprem o distanciamento com rigidez, como forma de priorizar a saúde dos filhos, mas também dos adultos e idosos da família. Os pais de Rafael, que moram em um prédio vizinho, só conhecem o neto recém-nascido através da grade que divide os condomínios.
– Parece até o Muro de Berlim – brinca Cynthia.
Os avós maternos, que moram a poucos quarteirões de distância, ainda não conhecem Vicente pessoalmente, e há mais de um ano não veem a filha, nem a neta, Verônica. A pequena, por sua vez, perdeu a rotina de brincadeiras com os primos da mesma idade, ficando limitada a gastar energia sozinha, no pátio.
– É melhor pecar pelo excesso. Estamos fazendo a nossa parte para que, quando tudo isso passar, nossos filhos possam ter os pais, os avós, os bisavós e conviver pelo máximo de tempo possível – diz o pai.
As privações de contato presencial, no entanto, fazem com que o casal reforce a importância de estimular os vínculos entre os filhos e o restante da família. No Natal e na Páscoa, por exemplo, fizeram fotos com as crianças vestidas a caráter para as festividades virtuais.
– Mesmo que a pandemia se estenda por mais tempo, é importante que eles entendam que a família não é só o pai e a mãe. Temos uma família que gosta muito de se reunir e queremos passar isso para a próxima geração. Quando for possível vamos tirar o atraso, porque estamos com muita saudade de um churrasco de família – comenta Rafael.
Teodoro tem fã-clube virtual
Mãe “de primeira viagem”, a analista de marketing caxiense Suelen Tiecher, 32, brinca que está criando um “bichinho do mato”, ao referir-se ao pequeno Teodoro, de seis meses.
– Ele conhece os pais, os avós e os tios, mais ninguém. Quando a pandemia parecia que tinha arrefecido, chegamos a marcar uma festinha de batizado, mas também tivemos de cancelar. Com a bandeira preta, nem mesmo com a família dá para ter contato. Justo agora que ele vai começar a experimentar comida as avós estão loucas para apresentar polenta, mas vai demorar um pouco – lamenta, com bom humor.
A maior parte da gravidez ocorreu em isolamento. O chá de revelação, previsto para maio, foi o segundo “evento” da gestação a ser cancelado. O primeiro seria assistir o show do Metallica em Porto Alegre, que seria em abril. Fã da banda californiana, Suelen ainda guarda o ingresso e vive a expectativa para ver os ídolos no palco.
– Queria muito ter tido essa sensação de ir a um show com o Teo na barriga. Do jeito que as coisas estão, é possível que quando o show realmente aconteça eu já possa até levá-lo comigo – brinca a mãe.
Outro sonho de toda gestante, que é mostrar o “barrigão” para o grupo de amigas, só foi possível por fotos e videochamadas. Mesmo agora, com o recém-nascido, o contato com as “fãs do Teo” é apenas virtual. Cabe à mãe e ao pai, Gabriel, 30, fazerem as vezes de paparazzi do bebê.
– Ele passa quase o dia todo dormindo, mas quando está acordado e a gente aponta o celular para fazer uma foto ou um vídeo com ele interagindo, normalmente ele acha outra coisa pra prestar a atenção. Às vezes um brinca pra distrair e o outro faz o vídeo escondido – conta Suelen.
A mãe conta ainda que um dos momentos mais angustiantes de ter vivido a primeira gravidez em meio à pandemia foi o de ter de comprar roupinhas, fraldas ecológicas e todo o enxoval pela internet:
– Acho que é outro sonho que toda gestante tem, de sair para visitar as lojas, de tocar nas roupas, de sentir o cheiro. Tivemos de nos contentar em comprar tudo online. Ainda não sei o que é ir numa loja comprar algo para o bebê.
Apesar da falta do contato mais próximo com as amigas e com a família, tanto para compartilhar as alegrias quanto para ganhar um abraço nos momentos de maior sensibilidade, Suelen considera que a maternidade mais reclusa tem seu ponto positivo, que é a maior privacidade com o filho:
– Seria bem mais complicado se estivesse recebendo muitas visitas. Estaria exausta. Poder ter mais tempo para o bebê, apenas com a rede de apoio para ajudar com as questões da casa, sem ouvir tanta opinião, dá mais tranquilidade para ir descobrindo a maternidade.
Rede de apoio prejudicada, mas vínculo fortalecido
A psicóloga caxiense Suelen Reckziegel, especialista em atendimento materno, considera que o contato mais exclusivo das mães com os bebês ocasionado pela pandemia pode gerar bons frutos para o desenvolvimento dos filhos. Trata-se de uma das muitas dúvidas que a psicologia tem sobre esse momento.
– É uma questão ainda a ser observada, mas acredito, sim, que essa proximidade maior com as mães gere também mais confiança, o que é fundamental para uma criança ter um comportamento mais tranquilo. Nesse momento temos de estar mais preocupados com os efeitos da pandemia para as mães e os pais do que propriamente com os bebês – aponta.
A psicóloga explica que a necessidade da criança ter contato com outras pessoas, tanto adultos quanto outras crianças, só é maior a partir dos dois anos. A psicóloga, contudo, observa que os vínculos podem ser resgatados com o tempo, conforme a vida voltar a uma normalidade.
– O que mais deixa as mães angustiadas é não saber ao certo quando será possível voltar a levar uma vida mais normal. Algumas mães cujos filhos já estão com pouco mais de um ano já relatam que eles estão com uma dificuldade maior para se “desgrudar” do colo. A gente pode entender como algo desse período, na medida em que, por conta da pandemia, menos pessoas entraram na vida dela para facilitar esse corte – explica.
O que, de fato, tem sido agravado pelo fator pandemia é o chamado esgotamento materno, cada vez mais acentuado na medida em que muitas mães precisam dar conta de tudo sozinhas:
– O vírus prejudicou a rede de apoio. Restringiu o acesso da família, de cuidadores, com o agravante das escolinhas estarem fechadas. Se por um lado é positivo as mães terem mais privacidade, por outro elas sentem muita falta de quem possa ajudá-las com as questões da casa, que acabam se acumulando. Cresce nesse caso a importância da participação dos pais, estando presentes e atentos às necessidades domésticas e de suporte.