Mais acessível, mais inclusiva, mais reconhecida. A cultura inicia uma nova década correndo atrás do prejuízo provocado por retrocessos em muitos níveis: localmente, após os cortes significativos nos programas de fomento em Caxias do Sul; e nacionalmente, com a extinção do ministério pelo Governo Federal e a legitimação de ataques contra a classe artística e cultural. Por outro lado, a pandemia reforçou a importância da arte no cotidiano das pessoas, que compreenderam ser impossível viver sem música, sem filmes, sem livros. A luta que se desenha é fazer a sociedade entender que não se faz arte sem o artista, e que o artista não é só o que está no topo das paradas ou no programa de auditório de maior audiência.
Prestes a assumir a Secretaria da Cultura em Caxias do Sul, Aline Zilli destaca, entre os desafios para os próximos 10 anos, a necessidade de se implementar a cultura como política pública no Brasil, de modo que não dependa da mera vontade de gestores ou governantes cortar financiamentos e programas:
— Sem isso estaremos sempre com essa sensação de insegurança e de perda de cidadania. A partir do entendimento de que deve haver uma política pública voltada para a cultura, partiremos para outros desafios, como a democratização de acessos e a descentralização, que é fazer entender que a cultura se dá em todos os lugares: no centro, na periferia, na zona rural. É igualmente importante que a cultura se desenvolva de forma transversal, dialogando não apenas com a educação, mas também com a gestão do meio ambiente, com a segurança pública, sendo entendida como um potencial multiplicador nessas áreas.
Também conhecido e reconhecido por unir arte e cidadania, o rapper e educador social Chiquinho Divilas considera fundamental para a próxima década a inclusão digital nas periferias. Segundo ele, só assim será possível dar às comunidades novas possibilidades de se expressar, de comunicar sua realidade e construir, dentro da rede mundial, novas redes.
— A Cultura da nova década precisa ter esse feeling, essa sensibilidade, ou seja, pensar nesse novo sujeito, praticante cultural que atua, produz saberes e compartilha opiniões, conteúdos e informações nas redes e nas rodas de diálogos. Quem sabe, ocupar o próprio centro comunitário que em muitas comunidades, estão fechados e desassistidos. Chegou a hora de consolidar, conectar as redes das periferias. A economia criativa que pode salvar vidas e dar visibilidade para quem ainda é invisível para uma grande parte da sociedade — analisa.
Para além do caráter formador, o produtor cultural Luciano Balen considera que a próxima década deverá abrir os olhos de quem ainda não percebe o importante papel da cultura para o desenvolvimento econômico, especialmente quando atrelada ao turismo e à economia criativa:
— O setor cultural é essencialmente prestador de serviços, gera milhares de postos de trabalho. Quando falamos em turismo cultural, que é uma boa parte do potencial turístico ainda inexplorado em Caxias, temos que aprender a contar melhor as nossas histórias. E quem fará isso, se não os artistas? No Estado, antes da crise, o setor da economia criativa era maior que o da construção civil, por exemplo. E, se juntarmos os postos de trabalho formais e os informais, tenho a certeza de que este setor é muito representativo e com altos índices de distribuição de renda. Temos muitos desafios, mas há muito mais oportunidades!
Escritor e filósofo, Gilmar Marcílio sugere uma perspectiva darwinista para refletir os desafios para a segunda década deste século: "quem se adaptar, sobreviverá". Isso porque, segundo Marcílio, mesmo que o pós-pandemia traga uma urgência de querer estar junto, o estreitamento cada vez maior entre o físico e o virtual é irreversível:
— A virtualidade na expressão artística, ao meu entender, veio para ficar. E aquele que consome, assim como o que produz arte, se não se adaptar, estará fora do jogo. Os shows viraram uma onipresença nas redes sociais. Atores estão apresentando peças, os livros estão no ambiente virtual, assim como as aulas e palestras. Acho que ficou ultrapassado falar uma parede que separa o real do virtual. Não existe mais. E isso não é, necessariamente, ruim. Virtualmente, vamos poder nos aproximar de forma muito mais afetuosa de artistas e pessoas que nunca imaginamos. É um simulacro, mas é uma forma de conexão. E com o passar do tempo vamos ter muito mais recursos, coisas que hoje são impensáveis.