Homenageado com o Troféu Oscarito, uma das honrarias especiais do Festival de Cinema de Gramado, Lázaro Ramos contou aos jornalistas parte da sua trajetória, que começou em cima dos palcos, ainda na adolescência, em Salvador, na Bahia, até chegar a uma currículo que inclui mais de 30 filmes, além de trabalhos na televisão e teatro. O ator, diretor e apresentador também falou de sonhos, novos projetos, personagens preferidos e investimentos no cinema.
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Abaixo, confira alguns trechos da conversa com o ator:
Começo
Minha família vivia muito com arte popular, dança, música, mas todos como movimento paralelo da vida. Ninguém tinha enfrentado o desejo de ser profissional. Quando eu decidi ser ator, eu não fui muito incentivado, não era nem por preconceito da profissão, era por medo da instabilidade. Quando eu estudava teatro no colégio, meu pai me dava só o dinheiro do lanche, para eu não ter o dinheiro do almoço e desistir da aula que tinha à tarde, para eu desistir do teatro. Mas eu ia, fazia aquele dinheiro render e ia. Tenho uma história linda. Quando ele foi ver a estreia da minha primeira peça de teatro foi lindo porque, quando acabou a peça, ele me olhou bem no fundo do olho, me deu um abraço e não disse nada. Eu entendi que ele não conseguia falar com palavras que entendia meu sonho e que eu podia ir adiante. Com o olhar, ele me disse isso.
Oscarito
O Festival de Gramado habita um outro lugar no meu emocional, minha relação com cinema começou muito como espectador. Estou muito emocionado e muito honrado, é um grande estímulo. Tenho feito cinema muito tempo. Às vezes, depois que você realiza um sonho, você procura sentido de por que seguir né? Acho que essa homenagem é um incentivo para seguir.
Início no cinema
No primeiro ano que estava no Rio de Janeiro, estavam fazendo vários filmes onde meu rosto se encaixava muito bem. No ano de 2000, fiz teste para sete filmes e passei para cinco. Esses cinco primeiros filmes, eu fiz e não assumia que aquilo seria minha carreira e minha vida. Achava que em algum momento ia dar tudo errado e ia voltar para casa. Com o passar do tempo, fui entendendo que poderia ser empreendedor disso também, de oferecer o meu trabalho.
Escolha de papéis
O primeiro objetivo é mais pessoal, é tentar não ser decifrado com muita facilidade. É por isso que pulo tanto de comédia para filmes mais alternativos, filmes mais populares, porque na tendência de qualquer ator num geral você é enquadrado num tipo de personagem que você faz bem, e os investimentos que aparecem são sempre nessa mesma direção. Pessoalmente, até para manter-me vivo e curioso e apaixonado pela profissão, eu procuro fazer coisas muito diferentes umas da outras.
Falar do agora
Outra coisa que me move muito é tentar falar para o agora. Eu acho que o cinema tem uma utilidade tão grande na vida das pessoas, seja o cinema que te faz rir ou te relaxa, ou que te mostra um universo que você não conhecia, que discute questões que são da atualidade, e que através da arte a gente consegue sensibilizar mais as pessoas. Essa é uma escolha que hoje em dia é muito consciente. Beijo no Asfalto, um dos meus filmes mais recentes, achei que é um filme que fala tanto sobre o hoje, tão útil para as pessoas que assistiram. É uma contribuição que o cinema pode ter.
Direção
Meu grande plano foi sempre ser ator, escrever e dirigir, é algo que faço pela contingência do momento. Meu primeiro filme está todo montadinho e em fase de trilha sonora. Vai estrear no primeiro semestre do ano que vem e se chama Medida Provisória.
Personagens
Estou com o sonho de viver personagens da minha idade. Eu fiz 40 anos e os personagens que eu fiz são mais jovens, com outras questões, outros conflitos. Tô pensando muito agora nessa fase. Também continuo gostando muito dos personagens da história não oficial, minha carreira é feita disso. Madame Satã, Cidade Baixa, Cafundó, são personagens que não estão num livro de história do Brasil oficial, mas que são importantíssimos para contar quem nós somos. Esses personagens continuam me fascinando.
Sonha ser dirigido por
Almodóvar, Fernando Meirelles, Spike Lee, Ava DuVernay, Tarantino e os irmãos Coen.
Construindo histórias
Muitas vezes, quando a gente fala de cineastas negros com uma câmera na mão, contando suas próprias histórias, às vezes pela falta a gente acaba criando histórias que partem da demanda, da falta; e não das possibilidades narrativas. Meu filme (Medida Provisória) subverte a lógica de contar uma história que é somente uma denúncia. Ele é um filme pop, tem ação, tem comédia, mistura gênero e se propõe a entreter, sim. Esse é um salto que tem sido feito pelo Jordan Peele, pelo Spike Lee. Tô tentando beber disso também, me influenciando por um movimento que é desse tempo e que acho que é muito saudável. Ele junta a famosa palavrinha que tá até desgastada, representatividade, com o poder da criatividade de inventar a história que você quiser.
Fomento ao cinema
Para mim é uma coisa tão clara. Como posso responder sem falar de Central do Brasil, de Tropa de Elite, de Cidade de Deus, de O Ano em que meus Pais Saíram de Férias, das comédias brasileiras que representam e registram um comportamento da nossa sociedade. Sem falar de O Invasor, de Amarelo Manga, de Madame Satã, de Ó Paí, Ó. São tantos filmes que refletem essa diversidade que é nosso país, que entretém as pessoas, que têm valores diversos desde a empregabilidade, o prestígio internacional, o público que se conquista. Acho muito esquisito ter que explicar isso de novo. Então, eu acho que o cinema já faz isso, já tem essa contribuição. Talvez, pelo momento que a gente vive, tenhamos que ter paciência e voltar a falar sobre fatos, sobre números, sobre a realidade, relembrar algumas coisas... Mas acho que o cinema já vem fazendo isso há muito tempo.
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