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Nei Lisboa é a voz da resistência. Antes de falar de política, primazia à música, afinal de contas, sábado (22), Nei volta à Caxias para mais um show, no Teatro Pedro Parenti, da Casa da Cultura, às 20h, acompanhado de Luiz Mauro Filho, parceiro de 20 anos nos palcos como pianista, tecladista e produtor.
Nei chega aos 60 anos tendo visto muita coisa nessa vida e reinventado a rima e a poética do amor em 11 discos, gestados em 40 anos de carreira. Desde A tribo toda em dia de festa, de 1983, ao registro ao vivo Telas, tramas & trapaças do novo mundo, de 2015, uma porção de canções ganhou o mundo, até mesmo interpretadas por outras vozes, sem que fosse preciso sair de Porto Alegre. O músico e compositor nasceu em Caxias, em 1959, mas em 1965 sua família muda-se para a capital dos gaúchos, que passa a ser o cenário ideal para as composições de um cara que viu a cena do Bom Fim transmutar-se.
Mesmo sem sair de Porto Alegre, Nei viu canções suas entoadas pela cantora carioca Simone Capeto, que em 2005 lançou o disco Bom futuro e outras canções, dedicado ao músico gaúcho. Nei teve ainda a honra de ver suas composições cantadas por Cida Moreira, Ná Ozzetti, Zélia Duncan e Caetano Veloso. Da cena britânica, Noel Gallagher gravou The Importance of Being Idle, uma das músicas do CD Translucidação (2006).
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Verdes anos
Nei foi ainda um dos caras que teve canções suas em clássicos do cinema gaúcho como Deu pra ti anos 70 (1981), direção de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti, e Verdes Anos (1983), de Giba e Carlos Gerbase.
Os filme tornaram-se um marco daquela geração, que contavam com um elenco de jovens atores como Werner Schünemann e de músicos travestidos de atores, como Júlio Reny. No cinema, a parceria de Nei com o cineasta Jorge Furtado foi bastante profícua. Em Meu tio matou um cara (2004), um dos principais temas é a canção Pra te lembrar, interpretada por Caetano Veloso, música que também faz parte do CD Relógios de Sol (2003).
O repertório deste sábado vai contemplar os sucessos da carreira, como Pra te lembrar, Verão em Calcutá, Pra viajar no cosmos, Relógios de sol, Telhados de Paris, Cena beatnik e Faxineira, entre outros.
— É um show que já sai com o bis pronto — diverte-se Nei Lisboa.
Anos cinzentos
Um dos destaques é a inédita Nós é que vivemos, cuja letra pode ser lida no final da matéria, e a gravação caseira você confere aqui. A canção se encerra com os versos: segue a tua sede / toma a minha mão / e abandona os dias / frágeis como são / nós é que vivemos, eles não.
Nei nunca escondeu suas convicções políticas, e afirma, principalmente nos dias de hoje, seu temor por dias piores nesse porvir verde oliva. Mas, mesmo quando aborda esse cenário cinzento, destila cores de esperança e afeto: teu carinho é bem viver / a cor e a paisagem / na melhor cidade que há de haver.
— Em resumo, é o amor que resiste — sintetiza.
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Nei Lisboa perdeu o irmão, Luiz Eurico Lisboa, durante os anos de chumbo, na Ditadura Militar, na década de 70.
— Hoje em dia parece que a realidade não importa mais, pois estamos na fase da pós verdade, que é reconstruída ao bel prazer do poder. Uma sociedade que não passa a limpo sua história corre o risco de repeti-la de forma tenebrosa — dispara.
Repetir de que forma, Nei?
— A qualquer instante não seria surpresa nenhuma cair o presidente Jair Bolsonaro e assumir um general. Fechar o Congresso, seria só um detalhe a mais em um país que tem atropelado a democracia nos seu últimos anos.
Como resolver essa história, antes do fim do mundo, já que "seremos tudo", como canta Nei, em Depois do fim.
— Pra que se entenda o contexto de hoje, em algum momento será preciso um olhar psicanalítico e clínico. A lógica deixou de ter importância, porque a verdade foi relativizada — explica.
Depois de uma longa pausa, sorri e finaliza:
— O Brasil tem de ir pro divã.
PROGRAME-SE
O quê: show com Nei Lisboa
Quando: sábado, às 20h
Onde: Teatro Pedro Parenti (Casa da Cultura - Rua Doutor Montaury, 1.333 - Caxias)
Quanto: Ingressos a R$ 40 (meia-entrada, sócio do Clube do Assinante Pioneiro e acompanhante), R$ 60 (lote promocional), à venda pelo site sympla.com.br/neilisboa e também na Casa da Cultura (1º andar). No dia, R$ 80.
Confira a seguir, a letra da música inédita Nós é que vivemos, de Nei Lisboa.
Estou cego de um tempo
que nem quero olhar
longe dos escombros
me ajuda a encontrar
tanto que busquei,
e ainda em vão
debaixo de livros
por todo lugar
em meio às cobertas
caído no chão
e um amor não some
sem razão
traz teus olhos para eu ver
a luz e a bondade
que a felicidade pode ter
teu carinho é bem viver
a cor e a paisagem
na melhor cidade que há de haver
segue a tua sede
toma a minha mão
e abandona os dias
frágeis como são
nós é que vivemos,
eles não