Sei que já passou o dia, mas eu queria comentar sobre a primeira vez que estive em Tiradentes, Minas Gerais. É uma cidade linda. Minha namorada que é mineira apenas me olhou com pena e disse: "é tudo fake. Quase ninguém mora mais aqui. Isso tudo foi comprado pra rodar minissérie de rede de tevê, já viu chão mais arrumadinho que o dessa rua aqui?" Atentei para um busto de Tiradentes, altivo. Atentei para os paralelepípedos e depois fui erguendo a cabeça, acompanhando as casinhas, as lamparinas, cada portinha de madeira bem pintada. Lá no fim da rua, o caminho da igreja se iluminava. Não disse nada, continuamos andando.
A primeira coisa que você faz ao chegar no topo, na catedral, é dar as costas a ela. Feito isso, você é a rainha daquele mundo. A paisagem é toda sua e, não fossem os poucos carrões que às vezes ficam estacionados nas ruelas, o sentimento seria de que você está deslocada no tempo.
É muito bonito.
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Passamos um tempo ali. Dominando com o olhar as ruas, o telhado das casas e até os matos ao longe. Ficamos ali criando nossas paisagens, nossos fragmentos de mundo.
É muito bonito.
Aí me bateu a frase de novo: é tudo fake. Olhei para ela que me sorria. Estava mesmo gostando do passeio.
Desejei que ela não tivesse me dito aquilo. Desejei estar vivendo uma mentira.
Ao descer a rua que dá na frente da igreja, outro busto, agora de um Tiradentes desgrenhado, rasgado, barba comprida. Fiquei pensando que os dois eram a mesma pessoa. E que a cidade, portanto, também poderia ser duas: a falsa e a real. Tudo dependeria de como escolhemos olhá-la. Agradeci o Tiradentes estático, talvez, em algum tempo, prestes a ser esquartejado. Pensei em quanta história carrega uma cidade todos os dias, palimpsesticamente, se essa palavra existe.
Ao sair da cidade, vimos outro casal chegar, e não nos surpreendemos quando a guria disse ao namorado: é tudo fake. A cara dele repetiu a minha. Depois devem ter feito o mesmo percurso.
Fomos tomar uma cerveja em São João, porque lá a cerveja era real, ela me disse em tom de brincadeira.
Na última olhada, antes de entrar no carro, não pude distinguir se havia qualquer movimento nas pessoas, no ar, nas plantas, nas pedras, em mim.