Não sei bem se vivi isso ou se sonhei, suponho que tenha sido um sonho. Andava pela Sinimbu, naquela parte meio inóspita, quase chegando em Lourdes e, ao completar a quadra, depois de pular duas ou três pedras soltas, ela se materializava de novo à minha frente. Não era algo que pudesse passar despercebido, os prédios, os postes, os carros, as arvores, tudo brotava novamente, junto com o asfalto que se desenrolava com os mesmos buracos. E eu era obrigada a caminhar novamente a mesma quadra.
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Não sei bem a intenção que tinha em atravessar aquele caminho, sei que me tomava uma teimosia imensa e eu reandava tudo. E mais uma vez. E outra. E a seguinte. Para nunca chegar na rua que eu desejava. Tráfego não havia, mas eu podia medir o tempo pela intensidade do sol que, curiosamente, se punha a leste. Contudo, não sei bem se vivi ou sonhei isso. Ao passar pela porta da minha casa pela quinta vez, me distraí e pisei em uma daquelas pedras soltas que esguichou um montão d’água para o alto, sujando a barra da minha calça e meus tênis.
Pausa.
Tentei abrir a porta da minha casa, para que pudesse entrar e trocar de calça e de tênis, mas a chave não girava. Talvez não fosse minha casa, pensei, mas conferi o endereço e estava certo. Forcei mais uma vez e senti o metal estalar. Fiquei com um pedaço da chave na mão. Dei dois passos para trás, olhei para cima e conferi as janelas. As luzes estavam acesas, os vidros abertos, as cortinas imóveis. Não havia vento nenhum. Parecia que tudo estava estático, menos o sol.
Depois lembrei que não morava ali havia anos.
Andei até o meio da rua e olhei para os dois lados, acompanhei o meio-fio, de um lado branco, do outro amarelo. A Sinimbú continuava comprida, estendida no meio de Caxias como uma jiboia gorda, que acabara de engolir a apatia da cidade e junto dela, eu.
Corri até o fim da quadra e, de novo, ela se reconstruiu. Sem ruídos nem tremores.
Estou presa neste fragmento de cidade, que se repete ad infinitum.