Eu perguntei ao Eduardo, nosso guia improvisado, se era bom viver ali, se ele conseguia sustentar sua família. Ele colocou a mão pra frente e balançou palma-pra-cima-palma-pra-baixo, apertou a cara e disse que era difícil mas que era bonito, e como tinha turistas, ele tinha muito trabalho.
Uns desfrutam, outros nem tanto. Olhei ao redor, sim, naquela parte havia muitos turistas, adiante, havia menos. Atrás das barracas de comida, lixo, moscas, restos. Mira el mar! Me disse Eduardo, tentando me fazer dar as costas àquela parte do todo. Depois, Eduardo quase nos fez pegar um barco por nada, nos levou pro hotel errado, disse que só aceitavam dinheiro e cobrou um preço que achamos meio salgado. Pagamos. Ainda pediu uma gorjeta que eu achei justa, e disse que apareceria no dia seguinte para nos levar de volta à van. Ficamos Dani e eu, meio desconfiadas e completamente maravilhadas naquele paraíso caribenho. Eu vim pra Cartagena por conta de um festival de literatura. Amo viajar, porque a gente aprende muito de si e do outro. Não tinha luz na ilha, depois das 18h, só geradores. Também não tinha água, o banho foi com um galão de água doce. E tinha que ser rápido, antes que as baratas voltassem às suas frestas. Ei, chicas, es que es su habitat. Concordamos. Antes do banho, ficamos um tempo no imenso e morno mar, ali eu tentei lembrar o que tinha respondido na entrevista para o festival. A pergunta: o que é ser latino americano. Meu primeiro estranhamento foi que me pediram para responder em espanhol ou inglês. Português não? – perguntei. No, mejor inglês. Dale. Eu me viro no portunhol, durante as mesas e debates, tudo saiu ok. Mas diante daquela pergunta-granada, eu não podia dar margem a falsos cognatos, nem a falsas ideias. Não sei nem se poderia responder em português. O que é, afinal, ser latino-americana? Achei que a língua poderia criar uma barreira, mas meu colegas escritores e escritoras, falantes de espanhol, me reportaram a mesma dificuldade em responder. É simples, disse o homem atrás da câmera, impaciente com minha hesitação. Não lembro o que disse. Acho que falei sobre compartilhar um sentimento de pertença. Mas talvez o que nos marque seja a esperança face à violência, talvez seja a desconfiança frente à fé, talvez o que nos marque terrivelmente seja essa força pra acreditar num futuro melhor. Talvez seja a resignação de saber olhar o horizonte, ao passo que bem à frente está o resto. Acreditar em algo ou em alguém que nos salve a todos, acreditar que nós podemos ser nossos próprios salvadores, quem sabe? Passamos a noite sob uma rede anti-insetos. Dani ensopada de repelente; eu, asmática; nós, fiéis ao nascer do sol, com luz, mar e uma volta. No hotel, ainda penso sobre o que significa essa América Latina e para que partes sempre damos as costas. Pra onde olhamos? Mira el mar. Era estupendo.
A gente não sabe se o Eduardo apareceu ou não no outro dia, fomos embora mais cedo.