Eu queria ter escrito sobre o discurso da Oprah na semana passada. Fui dormir pensando na importância daquilo e em todos os "poréns" que o discurso gerou. Quando acordei, já tinha saído a lamentável carta das cem feministas francesas e, em seguida, a outra carta das trinta outras feministas francesas que destruíam os argumentos das cem, tudo isso enquanto a Oprah era lembrada como um ícone do pensamento neoliberal da atualidade. Que semana para o feminismo. Que semana! Sinto cheiro de campanha política. A primeira mulher presidente dos Estados Unidos da América será negra. And God bless us all, viu! Vai ter presente para todo mundo embaixo da cadeira.
Ontem a Deneuve, uma das cem signatárias, pediu desculpas às vítimas de assédio sexual, mas também disse que estamos exagerando com os homens.
Eu, pessoalmente, acho é pouco.
Porque os abusos que nós mulheres sofremos de homens, sejam eles poderosos ou não, são evidentes, presentes, recorrentes, diários. Abusos que sofremos no trabalho, em casa, no supermercado, na rua, na academia, ao deitar nossa cabeça no travesseiro. E pensar que quando damos um passo à frente, alguém prontamente nos puxa para trás. A tensão é constante, portanto, inesquecível.
Dói todos os dias e, francamente, cansa. Cansa levantar e pensar, mais um dia, mais um dia que teremos que nos esquivar, explicar, engolir, olhar torto, desviar. Talvez até seja um dia em que teremos que sobreviver. Nunca se sabe.
E pensar no atraso que nos causa essa constante preocupação com nossa integridade. Hoje eu vou conquistar o mundo, se eu não for tratada como lixo, como uma incapaz, se eu não foi assediada, estuprada, morta. Por isso as hashtag #timesup #metoo #balancetonporc (seu tempo acabou, eu também, denuncia o teu porco) #meuprimeiroassedio são tão bem-vindas. Elas fazem-nos enxergar um caminho, ao menos, saber que não estamos só.
Mas dói também pensar que na semana passada uma jovem foi assassinada a facadas, porque o pai da sua namorada, segundo o jornal, "não reagiu bem ao pedido de casamento". Não reagiu bem e esfaqueou a guria na cara? Dói pensar que, há alguns dias, ocorreu uma agressão contra uma mulher, porque um homem achou que aquela não era uma "hora adequada para mulher estar na rua". Dói pensar que quando uma mulher está num cargo de poder, o comentário seja "pra quem ela deu". Dói pensar que um dia, eu mesma, tive que ouvir "tu ta tão mais gostosa agora, pena que tá saindo" da empresa. Claro que eu ainda poderia ir na festinha na casa dele naquele fim de semana.
Se estamos cansadas do assédio? Exaustas.
Então, falemos sempre, falemos mais.
Eu acho é pouco.