Em 1985, Margaret Atwood escreve uma distopia que se passa num futuro bem próximo, bem próximo mesmo, aos nossos dias de agora. O ambiente é o seguinte: um Estado teocrático, militar, totalitário, ditatorial, vigilante, punitivo. Isso quer dizer que o governo submete suas ações políticas, jurídicas e policiais às normas de uma religião e o controle é exercido por uma única representação, que não delineia limites à sua autoridade e, dessa forma, regulamenta todos, eu disse todos, os aspectos da vida pública e privada. Na história de Atwood, as mulheres são propriedade do governo, e dos homens. Algumas são tratadas como animais para reprodução. Essas, chamadas aias, são repetidamente estupradas para que possam gerar os filhos dos comandantes da fé e, uma vez que o sexo, o prazer e o desfrute estão proibidos, casais não podem transar normalmente. Não há arte. Não há divertimento. Mas há um policiamento intenso sobre o pensamento crítico. As retaliações e punições são apedrejamento, mutilação e morte, tudo, é claro, com exposição para que sirvam de exemplo.
Bem, grosso modo, é isso. Uma crítica social contundente que me faz pensar em muitas coisas que estamos vivendo hoje. Por exemplo, o ódio à arte, à intelectualidade e esse conservadorismo caolho, que vem acompanhado de um discurso Idade Média, o qual sempre imagino, quando leio algo do tipo, como sendo uma turba incapaz de debater carregando tochas e ancinhos. Queimem os pedófilos, os artistas, os comunistas, os professores, os livros, as performances, queimem museus, exposições, Lygia Clark, Hélio Oiticica, queimem Chico e Geni, joguem pedra e merda, chamem deus, chamem a tradição, a família a propriedade, chamem o exército, as forças armadas, tirem essa louca daí. Isso tudo enquanto os peixes-grandes bebericam seu scotch e assistem ao circo arder.
Fico pensando que, em anos frequentando exposições, assistindo a performances e peças, que nem sempre gosto, mas que me fazem pensar sobre o mundo e sobre as coisas do mundo, que me fazem pensar sobre como as pessoas estão pensando o mundo, nunca vi reações tão estapafúrdias. É claro, hoje vivemos em rede, a palavra se espalha com mais rapidez. Que ironia! No momento em que temos mais voz, que temos uma potência imensa para discussões, neste momento de agora, escolhemos o rechaço, o grito, a censura.
Engraçado, lembrando agora, fico pensando se as mesmas pessoas que mandaram por whatsapp um vídeo com desenhos da ex-presidenta Dilma sendo agredida, tendo garrafas introduzidas em seu corpo, se as mesmas pessoas que tinham adesivos, que simulavam estupros à imagem da ex-presidenta Dilma, toda vez que abasteciam o carro, e achavam graça!, são as mesmas que escolhem o ódio como modo de operação.
Não sei vocês, mas eu vejo, de maneira bem clara, um paralelo entre a distopia de Atwood e o lugar obscuro para onde estamos caminhando.